29 de março | 2015

O Estado laico, o beijo na novela e o império das hipocrisias

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Do Conselho Editorial

Nestes tempos em que os seres humanos tentam reinventar a roda as coisas mais óbvias e comuns vão tomando formato de novidades, quando não passam de requentadas vontades de frequentar as páginas dos jornais e explorar a inocência de parte da população, determinados representantes de um segmento religioso que busca resultados e objetiva rendimentos com a mais que rentável indústria da fé, estão exagerando no excesso de hipocrisia.

Não percebem que cheio o copo a tendência é que transborde e transforme em cansaço a tão conhecida e proclamada paciência do povo brasileiro.

Não há dia ou semana que não culmine com mais uma invencionice antiga retirada do baú dos falsos profetas com a intenção de proclamar velhas novas histerias como se fora lições extraídas dos textos bíblicos.

E a cada nova investida dos falsos líderes sectários religiosos, mais parece se ampliar a distância entre determinadas religiões e a realidade brasileira.

Tudo parece voltar a Inquisição de Torquemada, formação de exércitos divulgados pela mídia, enfrentamento de toda ordem, defesa de questões que vão da homofobia ao fim do estado laico no Brasil, a moção de repúdio a beijo de novela.

Quando uma sociedade como a brasileira, sempre tão tranquila, se vê, como agora, envolta nas trevas de discussões que transformaram em terra de permanente guerra sangrenta países do oriente médio e parte da África é preocupante, é alarmante.

O Estado brasileiro optou pela laicidade exatamente para que houvesse, como houve através dos séculos, respeito a diversidade religiosa, o que significa, em síntese, que cada um pode optar pela religião que desejar, ou se desejar, não optar por nenhuma.

O Estado brasileiro não interfere nas predileções religiosas e nem no ateísmo de cada um, a menos que o direito de livre manifestação religiosa venha a ser ferido por alguém ou por alguma instituição.

E assim passaram anos de convivência pacífica, os cidadãos brasileiros, no entanto, observa-se um crescente desejo de alguns segmentos religiosos de conduzir a nação a extremos de beligerância, adotando posturas repressivas nada condizentes com o respeito a livre manifestação do pensamento.

Foi proposto e está sendo alvo de discussões, a inclusão de proposta de emenda constitucional que substitui a palavra “povo” por “Deus” no enunciado do primeiro artigo da Constituição Federal.

Sendo aprovado o texto sugerido, a carta magna será aberta com a seguinte redação:

“Todo poder emana de Deus, que o exerce de forma direta e também por meio do povo e de seus representantes eleitos, nos termos desta Constituição”.

Evidentemente trata-se de um abuso, de um total desrespeito a democracia que remeteria o Brasil ao período mais obscurantista de sua história em termos de convivência religiosa.

Tratar-se-ia, no entanto, de uma mudança radical nos conceitos religiosos capitalistas selvagens, se focado na visão anterior em que parte das religiões evangélicas, pentecostais e outras, abominavam a participação dos seus membros na política partidária e tecia críticas severas a Igreja Católica pela sua participação através da Teologia da Libertação.

E mesmo o catolicismo, responsável pelo período mais cinzento da humanidade que foi a inquisição, em sua participação na política recente do Brasil, ousou tanto como estão ousando determinadas correntes evangélicas que tentam impor a ferro e a fogo imposições inaceitáveis, a cordial convivência em sociedade.

Os parlamentos e o poder executivo se tornaram extensões de igrejas, púlpitos, e os debates tomaram aspectos religiosos inaceitáveis para quem teria por dever de oficio representar a todos e não a um segmento específico.

Esta demanda reacionária, este oportunismo eleitoreiro, estão presente por aqui; as discussões recentes tem comprovado isto; muitos dias conferidos aos evangélicos nas agendas culturais do legislativo e do executivo.

Brigas entre correntes divergentes nos corredores, disputas pelos espaços religiosos e ao que tudo indica aplicação de dinheiro público em eventos que o estado laico não permite.

Deus, ao que tudo indica, virou dinheiro e promessa de voto, tamanha a fúria demonstrada pelos defensores do setor evangélico dividido em suas pretensas vaidades.

Semanas atrás, espetáculo de gosto extremamente duvidoso na Câmara traduzido em pretenso culto evangélico, que não combinava com o local que nada tem de tão sacro assim.

Esta semana que se finda, a absurda competição para se aparecer mais que o outro parece ter dado continuidade entre inconstitucionalidades gritantes e desejo cristão de se aparecer mais que aquele que foi humildemente pregado na cruz.

Jogaram pedra na Madalena da vez, o alvo do ridículo foi a atuação das atrizes Fernanda Montenegro e Nathália Timberg por beijo dado na novela… um ator canastrão da política local e seus pares resolveram enviar moção de repúdio à Globo, em verdadeira caça as bruxas.

Pura hipocrisia e vontade de aparecer, se escandalizar com beijo de novela e nem sequer citar a Máfia do asfalto em suas falas, seria como fingir acreditar que um beijo pode matar mais gente que o dinheiro roubado dos cofres públicos.

Omissão deveria ser crime hediondo, como não é, fiquemos com a singeleza das respostas da grande atriz Fernanda Montenegro, que pouco deve estar se lixando a manifestações de repúdio de quem ama apenas a si mesmo e olhe lá.

“O beijo que está dando esta confusão toda é um beijo casto, amoroso, sem desafio erótico ou didática. É uma demonstração de carinho. Por isso, digo que não tenho capacidade de analisar esse momento. Percebo que temos problemas muito mais graves. O país está enfrentando uma crise bastante vivida e sentida, e tem gente disposta a se voltar contra o beijo de duas atrizes de quase cem anos de idade dado dentro de uma relação sacramentada pela vida afora”

E não poderia faltar o toque mágico da artista que interpreta o papel do mundo.

“Estou fazendo o papel com todo o meu empenho, adesão e entendimento humano da causa, que é a pessoa que quer viver sua natureza sem disfarce. Essas personagens são um esclarecimento aos mais bloqueados de razão. É claro que aceitei meu papel por isto.”

Se os políticos fossem desta maneira seria mais fácil a vida de todos nós, pois viveriam sua natureza sem disfarce, não seriam bloqueados de razão, entenderiam a inutilidade de maioria das suas discussões, compreenderiam que só não beija quem não ama.

 

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