01 de maio | 2023

Juiz dá aula de história e democracia em ação de procuradora contra os jornalistas da Folha

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PEÇA HISTÓRICA!

– Boicote a imprensa tem semelhança com metodologia do boicote aos judeus na Alemanha nazista.

– Constituição é marcada pelo equilíbrio entre direita e esquerda, entre capital e trabalho.
– Direito democrático não pode ser usado para destruir o Estado Democrático.
– Liberdade de imprensa não é completa sem o direito de crítica.

O juiz da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal, Angelo Marcio de Siqueira Pace, ao proferir a sentença que absolveu os jornalistas da Folha da Região e da Rádio Cidade, Bruna e José Antônio Arantes, na terça-feira, 25, da acusação feita em queixa-crime ajuizada pela procuradora da Fazenda Nacional, Clariana dos Santos Archioli, em razão de suposta prática de crimes contra sua honra, deu uma verdadeira aula de história e de democracia para explicar as razões que o levaram a tomar tal decisão.

O juiz Angelo Marcio Siqueira Pace de pronto decidiu por conceder o benefício da gratuidade processual para os jornalistas da Folha. “É fato público e notório que muitos prestadores de serviços ou fornecedores de produtos, no comércio, na indústria e especialmente na imprensa, foram “patrulhados” ideologicamente pelos eleitores do candidato derrotado, e assim foi também com os querelados, como demonstram os documentos juntados aos autos”.

BOICOTE A IMPRENSA
TEM SEMELHANÇA METÓDICA
COM BOICOTE AOS JUDEUS NA ALEMANHA NAZISTA

E justificou: “A propósito, é inevitável lembrar a semelhança metodológica com o boicote aos judeus na Alemanha nazista, pouco antes do início do extermínio”.

Segundo o juiz, o que os jornalistas fizeram foi apenas informar seus leitores a respeito dos equívocos “e, com o perdão da palavra, dos absurdos que a querelante proferiu ao pedir intervenção das Forças Armadas na Justiça Eleitoral. O fato precisava ser noticiado, sim, pois ao microfone não falava nenhuma pessoa sem instrução, mas uma advogada e procuradora que, como qualquer profissional do Direito, jurou defender a Constituição e as leis de seu país”.

LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO É COMPLETA
SEM O DIREITO DE CRÍTICA

E vai além: “Ocorre, contudo, que a liberdade de imprensa não seria completa sem o direito de crítica. Uma afirmação leviana meramente repetida, sem nenhuma reflexão acerca de sua procedência, levaria à desinformação em vez da informação e não é este o objetivo da Constituição Federal, por exemplo. Outra vez, inevitável recordar Joseph Goebbels e seu conhecido expediente de repetir mentiras até que elas virassem verdades”.

Angelo Márcio explicou também que ao expressar os termos “ultradireita”, “extremistas” ou “fanáticos”, os jornalistas fizeram uso de tais expressões no legítimo direito à manifestação do pensamento e ao exercício de crítica. Enganam-se redondamente os que pensam que a liberdade de manifestação aceita tudo; e a prova é esta própria queixa-crime, na qual a querelante pede à Justiça que puna os querelados por uma suposta ofensa à honra. Se essa alegada ofensa existisse ao menos em tese já não se poderia falar em liberdade de expressão, pois a liberdade é para se expressar, jamais para ofender”.

DIREITO DEMOCRÁTICO
NÃO PODE SER USADO PARA
DESTRUIR O ESTADO DEMOCRÁTICO

O juiz complementa: “Da mesma maneira, um direito garantido pelo Estado democrático não pode jamais ser usado para a destruição do Estado Democrático. Pregar, pedir, clamar por golpe de Estado não é liberdade de expressão: é, ao contrário, um ataque às liberdades fundamentais, as quais não existem em ditaduras (como a História não se cansa de ensinar aos que querem aprender com os erros dos outros). Quem quer que conheça adequadamente a história da ditadura militar em nosso país (1964/1985) bem sabe que inúmeras foram as violações a direitos fundamentais naquele período, abrangendo práticas odiosas e desumanas como assassinato, tortura e estupro contra quem quer que fosse considerado suspeito de “subversão”.

Afirma também: “Não foi sem razão que, no dia oito de janeiro deste ano, testemunhamos todos uma vergonhosa demonstração de selvageria por parte dos que invadiram, saquearam e destruíram as dependências do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Muitos ali agiram impelidos pela mistura explosiva de cultura do ódio e da desinformação dos últimos tempos; outros, entretanto, buscavam o golpe de forma premeditada e calculada, direcionando, custeando ou facilitando a ação dos vândalos a fim de romper a ordem constitucional”.

CONSTITUIÇÃO É MARCADA
PELO EQUILÍBRIO ENTRE DIREITA E ESQUERDA,
CAPITAL E TRABALHO.

Pace complementa: “Felizmente, a tentativa de golpe foi debelada e os responsáveis estão sendo chamados à Justiça. É imperioso, contudo, ressaltar que as Instituições democráticas, especialmente aquelas ligadas ao Judiciário, ao Legislativo e à Imprensa livre, precisam permanecer atentas e atuantes. Todo extremismo surge do fanatismo, e este é filho da ignorância. Nenhum extremismo traz nada de bom, nem pela extrema esquerda “comunista” (hoje quase extinta) nem com a extrema direita “neoliberal” (muita mais presente e nociva no mundo moderno)”.

E conclui: “Nossa Constituição Federal é marcada pelo equilíbrio, conciliando a propriedade privada e a liberdade de iniciativa com a função social do trabalho e a dignidade da pessoa humana. Se a direita garante a liberdade, não menos certo é que a esquerda também o faz ao combater a escravidão moderna e promover direitos como férias remuneradas e décimo terceiro salário, conquistas impensáveis e inaceitáveis para os adeptos do liberalismo econômico mais radical”.

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