02 de setembro | 2018

O suicídio e a banalização da vida

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Do Conselho Editorial

Esta semana os cidadãos mais conscientes de suas responsabilidades ficaram chocados com a conclusão da divulgação de fotos e fatos pela internet ocorridos em um supermercado local e que culminaram com o suicídio de uma jovem professora.

Os mesmos hipócritas e desumanos que, em tese, teriam a responsabilidade pela tragédia, por divulgarem o ocorrido nas redes sociais e julgarem a atitude da moça, continuam insistindo de que a solução para os problemas que aparecem é a extermina­ção de quem os provocou sem o devido processo legal e a legítima defesa. 

Certas opiniões causam asco e deixam evidente o caráter criminoso que tomou conta das redes sociais e a promoção do linchamento moral das pessoas sem dó nem piedade e que mesmo diante de uma tragédia continua como se a vida humana fosse algo descartável e sem valor algum.

Evidente que seres assim são desprezíveis, que não têm o mínimo de civilidade e que seus discursos em prol do bem da sociedade oculta o pior de todos, os criminosos e psicopatas da face da terra, o que se regozija com a dor do outro, o que se satisfaz com a tortura, com a morte e com a destruição de quem por razões mínimas ofereça espaço para a defesa de seu sadismo e de sua loucura.

A professora pode ter praticado algo que no direito penal pode ser considerado uma ilicitude, que seria julgada e que a mesma seria responsabilizada a medida dos prejuízos que seus atos poderiam ter provocado, sem excessos e a sociedade teria a resposta judicial correta aplicada ao caso.

Ou, poderia ser absolvida caso se entendesse que a extensão do ato não se enquadraria nos verbos do tipo penal correspondente a que foi denunciada; poderia ser beneficiada por excludentes de ilicitude e ou um monte de outras situações poderiam ocorrer se tivesse tido a oportunidade de se defender em um processo justo e necessário.

Não seria condenada a morte, até porque não há pena de morte no país, e mesmo que houvesse a bagatela que se relata foi alvo de sua ação, a ausência de violência extremada e outras condicionantes mesmo em países em que há pena de morte não a levaria a este extremo.

No entanto, neste país em que não há pena de morte, o julgamento sumário das redes, o linchamento moral e a maldade humana, retirou todos os seus direitos de se defender atribuindo a ela uma conduta muitas vezes mais condenável do que a que praticou e a divulgação que a conduziu a por fim a sua vida.

E, morta, não foi poupada pelos seus algozes que não recuam, não refletem sobre o estado de dor e desesperança que está se abatendo sobre a família e como abutres parece que pedem a obrigação da continuidade da tragédia.

É necessário pontuar que não só os que compartilharam imagens nas redes sociais são culpados pelo que provocou este suicídio que ceifou a vida desta pobre moça, também o que gravou ou fotografou as imagens e disponibilizou nas redes tem sua culpa.

O supermercado, pelo que se depreende de relatos de consumidores e ação analisada pela justiça local, com decisão desfavorável a loja, parece ter uma prática nada condizente com a prática do respeito às regras civilizadas.

Tudo leva a crer que as pessoas que se suspeita ter subtraído algo naquela loja são submetidas ao constrangimento de ser interrogadas na área de venda do estabelecimento, com os clientes assistindo e interagindo na ação, como se fora no período da Inquisição onde os condenados eram queimados vivos em plena praça pública, para servir de exemplo a outros.

A palavra inquisição vem de averiguação metódica e rigorosa; inquirição que é, ao que tudo indica o que tem ocorrido no estabelecimento, na área de venda, nestas situações.

Parece não haver um espaço discreto reservado para não haver exposição de possíveis suspeitos e preservação dos que a suspeição não se confirme.

O acontecimento trágico em si parece comprovar isto, caso houvesse um espaço dedicado a esta situação, e funcionários preparados para lidar com ela, não haveria a possibilidade das fotos e gravações de clientes, e os relatos de clientes corroboram esta prática condenável.

E tragédias como esta só ocorreria se as imagens fossem disponibilizadas pelo próprio supermercado, o que deve ser investigado, para se confirmar de onde vieram as imagens, pois afinal de contas duas pessoas, duas famílias foram atingidas pela insanidade e irresponsabilidade desta atitude criminosa e desta prática cruel dos prejulgamentos nas redes sociais.

As pessoas de bem e a comunidade estão sensibilizadas pela morte da jovem, pela proximidade e convivência com ela e os familiares, alguns tentam compreender as razões que a levaram a esta atitude, outros a situação de angústia e desamparo que poderia estar vivendo e não se atentaram, por enquanto a outra tragédia paralela.

Esta moça, assassinada pela maldade humana se suicidou se jogando embaixo de um veiculo em cujo volante obrigatoriamente teria um condutor tão humano quanto ela.

Não se sabe quem é, e parece não se demonstrar desejo de saber quem seja, porém, ele existe e pode estar arrastando pelo mundo a dor e a angústia de ter atropelado alguém sem ter se atentado se o ocorrido derivou de sua imprudência ou da força cruel do destino que o colocou na rota de uma sinistra história provocada pela maldade humana.

Pessoas que fogem do local de acidentes geralmente o fazem por se sentirem culpados pelo que provocou, se for este o caso, a maldade humana em uma única ação destroçou duas vidas de uma vez só.

 

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