17 de fevereiro | 2024

A vergonha da tribuna que não é livre na Câmara

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“A apatia cívica alimenta a continuidade dessas práticas, enquanto o engajamento ativo oferece o potencial para mudança e renovação”.

 

José Antônio Arantes

Era quarta-feira de cinzas. E o carnaval não foi na Avenida. Confinaram as escolas em apenas um dia dentro do estacionamento do Thermas. Aliás, a prefeitura promoveu o carnaval? Ou apenas “showsmícios” para fazer o povo esquecer que não tem remédio, não tem médico, não tem serviços decentes, o que tem é buraco na Olímpia, favela abandonada, emprego para lavar privada, nem cortar cana e apanhar laranja tem mais. Mas tem pão e circo.

Não teve terça-feira gorda de carnaval. Bom, a Samba Sem desobedeceu ao rei e em nome da cultura desfilou na avenida sozinha.

Na quarta-feira, o que sobrou foram as cinzas de uma tentativa inócua e onipotente de querer subverter a tradição em nome do interesse financeiro do vencedor da terceirização do rei Momo.

O desfile do povão, o verdadeiro carnaval, confinado a um único dia em um estacionamento, reflete uma tendência preocupante de minimizar a importância cultural em favor de interesses práticos e econômicos, diminuindo assim a riqueza do nosso tecido social.

O papel da administração municipal nesta celebração levanta questões sobre suas prioridades, sugerindo uma preferência por distrações temporárias em detrimento de enfrentar e resolver questões críticas.

Esta estratégia de “pão e circo”, longe de ser uma solução, serve apenas para mascarar problemas subjacentes que afetam profundamente a qualidade de vida dos cidadãos.

A tentativa de uma escola de samba de desafiar as restrições e desfilar pela avenida em nome da cultura destaca a resistência contra a erosão das tradições.

No entanto, essa ação isolada também sublinha a luta contínua pela liberdade de expressão e pelo direito de celebrar e preservar nossa herança cultural em face de decisões que parecem favorecer interesses financeiros limitados.

Aliás, toda a movimentação dá mostras de que o rei de fato queria destruir o rei mito. Mas deixa para lá. São coisas de Olimpiã e Festança, o reino do Rei Nando, ou Deus Nando, o onipotente.

Para completar o cenário carnavalesco ou Dantesco, a Câmara, que diz ter uma tal de tribuna livre, como se algo fosse livre na terra do Deus Nando, deixou o presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, JususBuzzo, utilizar o instrumento draconiano que de livre não tem nada.

O espetáculo foi mais uma vez digno de reviver a série O Bem Amado e comparar Olimpiã e Festança com Sucupira, a cidade do litoral baiano que era governada por Odorico Paraguaçu, o ditador que queria que alguém morresse para inaugurar seu cemitério novo.

O sargento presidente do pseudolegislativo, a que deveria ser a casa do povo, mas parece ser do polvo, ou do Rei Nando, simplesmente não deixou o sindicalista falar e colocar suas reclamações em nome dos funcionários do extinto Daemo, que, mesmo concursados, por um decreto draconiano do nosso Deus onipotente, serão colocados em disponibilidade com redução drástica de seus salários.

Foi vergonhoso.

Como pode uma cidade ser tão atrasada para ter uma tribuna livre que não dá liberdade nem de expressão para o orador?

O sargento, lacaio do rei, a todo instante criava barreiras para não deixar o orador se manifestar.

Se o decreto, instrumento pelo qual governam os ditadores, já é algo ignóbil e ostensivamente ditatorial (muito embora, em sistema cujo legislativo é capacho, a lei não tenha valor), uma tribuna livre que limita qualquer alusão que possa ser ofensiva ao rei ou ao reino, não deixa de ser um vergonhoso mecanismo ilusório de propaganda mentirosa.

Este incidente não é apenas um reflexo da dinâmica de poder local, mas também um sinal alarmante de como os espaços supostamente destinados ao diálogo e à crítica podem ser manipulados para suprimir vozes dissonantes.

A governança deve ser uma extensão da vontade do povo, facilitada por instituições que promovem transparência, responsabilidade e participação ativa. Quando ferramentas de governança, como decretos, são utilizadas para consolidar poder ou restringir a liberdade de expressão, elas traem os princípios democráticos fundamentais e corroem a confiança na liderança.

O cenário descrito, reminiscente de narrativas fictícias de governos autoritários, não é apenas uma questão de administração municipal, mas uma chamada para reflexão sobre o estado da nossa democracia e o papel do cidadão dentro dela.

A apatia cívica alimenta a continuidade dessas práticas, enquanto o engajamento ativo oferece o potencial para mudança e renovação.

Este momento exige mais do que crítica; requer uma reavaliação coletiva de nossas prioridades como comunidade. Devemos questionar não apenas as decisões de nossos líderes, mas também nosso próprio compromisso com os valores que definem nossa sociedade.

A verdadeira liberdade, tanto na expressão cultural quanto na participação cívica, é fundamental para a saúde de qualquer democracia e deve ser defendida incansavelmente.

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