03 de dezembro | 2022

O que esperar do Natal em tempos de ruptura política

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HORA DE RECONCILIAR?
Brigas por causa da política acabaram em rupturas familiares e até em adoecimento mental. Especialistas dizem que o respeito é essencial para refazer os laços de afeto.


Da Redação com Diário da Região – Faltando três semanas para a principal celebração de fim de ano a grande interrogação que fica é se as famílias voltarão a se reunir com a mesma intensidade e o mesmo número de pessoas que se confraternizavam há pelo menos uns três anos atrás.

E dois são os motivos apontados para se chegar a esta dúvida. O primeiro é que este será o primeiro natal depois do período mais forte da pandemia do novo coronavírus (2020 e 2021). O segundo e o mais grave de todos é o fator político.

A polarização dos últimos anos trouxe um clima de ódio e que dividiu famílias, provocou o rompimento entre parentes e até irmãos que passaram a viver praticamente em mundos diferentes, como se estivessem em dois extremos da realidade.

É POSSÍVEL SALVAR O NATAL?

Este foi o tema de uma reportagem publicada recentemente pelo Diário da Região, através da jornalista Francela Pinheiro. Na matéria é perguntado para pessoas comuns e profissionais de áreas relacionadas ao comportamento humano se é possível salvar o Natal após rupturas familiares provocadas pela polarização política.

Como pacificar os ânimos e resgatar relacionamentos essenciais entres irmãos, pais e filhos, tios e sobrinhos, amigos e até casais abalados por diferenças ideológicas que estão provocando adoecimento mental em grande parcela da população?

“Eu penso que é possível salvar o Natal. É a mensagem natalina, a convivência, o diálogo e a pacificação. Jesus foi o líder do consenso”, afirma o coordenador do setor psiquiátrico do Hospital de Base de Rio Preto, Gerardo Maria de Araújo Filho.

Para ele, esse é o ponto de partida para um grande desafio individual e para os terapeutas e psicanalistas que lidam com os efeitos da radicalização política na saúde mental da população nos dias de hoje.

OFENSAS

“Desde que mudei meu posicionamento político do da minha família, havia uma divergência de ideias, mas nada grave. Neste ano, porém, essa diferença partiu para o campo da radicalização. Como única integrante familiar a ter outra opinião, eu me senti massacrada. Com as ofensas, somadas às pressões de amigos que tentaram mudar o meu voto, eu precisei voltar à medicação que tomei na pandemia. Agora, espero recuperar o diálogo de antes para continuar”, Luciana (nome fictício), 36 anos, empresária.

A tensão eleitoral surgiu antes mesmo que as pessoas conseguissem superar todos os traumas emocionais da pandemia da Covid, fazendo com que parte da sociedade brasileira passe por um novo “drama”: recuperar a saúde mental desgastada pela polarização política. Dilema social que acabou com amizades, minou relacionamentos afetivos e quebrou laços familiares. Rupturas que começaram com bloqueios nas redes sociais, partiram para brigas em almoços e jantares e acabaram em fraturas doloridas.

O impasse é marcado pela falta de debate de ideias, segundo Araújo Filho, com “cada um encastelado nas suas ideias, sem abrir para o contraditório para pensar: ‘Será que o outro está certo?’ E sem diálogo, aparece o sofrimento mental”, diz o médico.

Isolamento em grupos que, na análise da psicóloga cognitivo-comportamental de Rio Preto Mara Lúcia Madureira, é o primeiro problema de saúde mental da polarização. “As pessoas ficam imersas em grupos fechados, sendo bombardeadas o tempo todo por mensagens, na maioria das vezes fake news e mensagens alarmistas”, afirmou. “A partir de falsas profecias de catástrofes, isso vai gerando uma ansiedade muito grande e essas pessoas passam a querer combater quem defende o adversário”, acrescentou.

ABANDONO
DA CAPACIDADE DE LÓGICA

Comportamento social que, segundo Mara Lúcia, se assemelha ao de seitas, pelas quais um grupo de pessoas segue um pensamento político, ideológico, religioso ou moral diferente do que é convencionado pela maioria. “As pessoas não conseguem analisar o que acontece no lado dos políticos. Elas deixam toda a capacidade de lógica para seguir um líder, como foram João Deus e Charles Manson, nos Estados Unidos”, analisou.

“De um lado da polarização política atual, há um líder narcisista, que espera a aclamação para ter as proteções e garantias deles. Por outro lado, está a parcela adversária, que também adoeceu ou se tornou violenta. Começa com medo das ameaças, da violência ou parte para a violência e reproduz o mesmo comportamento do adversário”, explica a psicóloga.

Fora dos extremos, há mais uma parcela da sociedade, segundo Mara Lúcia, que não se expõe por opressão e intimidação. “Eu não posso manifestar minha opinião porque as pessoas estão pilhadas, agressivas. Chegamos nesse ponto”, disse.

TRIBOS

Para Araújo Filho, que também é chefe do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), essa radicalização reduz a sociedade à era tribal. “Eu fico em grupos que pensam iguais a mim e que vão reproduzir as verdades que eu acho que são verdades, enquanto que só o debate é que nos faz crescer como pessoa e como sociedade”, disse.

DANOS

E não são irrelevantes os danos dos conflitos da polarização que chegam nos consultórios, segundo a psicóloga clínica Ana Flávia da Silva Ferreira Zaura. “Podem afetar o indivíduo emocionalmente, fisicamente e comprometer o seu bem-estar físico, emocional e social”, afirmou.

Os impactos são mais graves, segundo Ana Flávia, quando comprometem os laços familiares. “Pois, além de conviver com os conflitos, é preciso conviver. E no meio de todo esse cenário, os prejuízos mais alarmantes são as crises de ansiedade, cansaço emocional, rupturas de relacionamentos e distanciamento involuntário”, disse.

RUPTURA FAMILIAR =
PLANO PSICOLÓGICO
E MENTAL DESASTROSO

Diferentemente do fim do coleguismo ou de amizades, a ruptura de laços familiares, segundo Mara Lúcia, tem um impacto no plano psicológico e mental desastroso. “É uma espécie de luto. Você está perdendo o amor, a companhia, a amizade e a compaixão de alguém que sempre serviu como apoio, como apego seguro que você tem ali e pode contar”, disse. Perdas, que segundo a psicóloga, podem acabar em transtornos do espectro obsessivo compulsivo, com abuso de álcool, drogas e compras sem necessidade.

Segundo o chefe do setor Psiquiátrico do HB, a perda dessa base familiar pode causar danos em pessoas sem histórico de adoecimento mental, como piorar quadros estáveis já em tratamento. “Temos observado o aparecimento muito grande de depressão, transtornos de ansiedade e angústia nos dois lados da polarização. Há casos também que a pessoa estava estável e acaba desestabilizando do tratamento pela rixa política”, afirmou.

SÓ COM DETOX POLÍTICO

A volta da normalidade é um desafio dos consultórios. Na análise de Araújo Filho, a reconstrução dos laços depende da volta da velha e boa conversa respeitosa. “Essa polarização não dá certo em nenhuma relação humana. É necessário recuperar a capacidade de falar o que eu penso e também ouvir o que o outro pensa. Sair um pouco do meu verde, do meu vermelho e dialogar”, orientou. “Sem essa diversidade (de pensamentos) nunca teríamos a evolução humana ou qualquer outra”, acrescentou Ana Flávia.

Já Mara Lúcia é menos otimista neste caso. Para ela, a volta à normalidade é uma realidade mais distante. “Não existe essa possibilidade no curto prazo”, diz. Segundo ela, uma possível retomada começa com um detox político. “Primeiro passo é sair de todos os grupos tóxicos. Segundo, ler informações uma vez por dia para se atualizar – no início do dia ou antes das 19h para não pilhar. Se não for suficiente, procurar ajuda médica e psicológica”, orientou. “É importante entender que a pessoa do outro lado também está doente e buscar uma rede de apoio”, disse.

NATAL

A mensagem de convivência, diálogo e pacificação do Natal vem ao encontro da pacificação desses conflitos, como colocou Araújo Filho. “Jesus foi o líder do consenso. Vamos separar as coisas, entender política como um debate de ideias e ser menos passional. Uma coisa são as ideias outra coisa são as pessoas”, disse.

PACTO DE RESPEITO

Para Mara Lúcia, muitas famílias devem driblar as marcas dos conflitos políticos na hora da confraternização. “É um momento de deixar de lado a polarização e talvez fazer um acordo de respeito para confraternizar pelo que realmente importa”, analisou. “Só é necessário se atentar ao álcool. As pessoas bêbadas ficam mais propícias ao entrevero, agressividade e violência”, alertou.

Responsabilidade que está nas mãos de cada integrante da família reunida ao redor dos símbolos natalinos de renascimento e esperança. “Concordância pode não haver, porém a consideração e o respeito devem se fazer presentes como contribuição essencial para saúde e bem-estar de todos”, finalizou Ana Flávia.

 

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