14 de março | 2021

Fábio Martinez confirma saúde à beira do colapso

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OLHAR DE QUEM ESTÁ NA LINHA DE FRENTE!
Número de óbitos ainda pode subir bastante nos próximos dias. “Do jeito que nós estamos hoje no sistema de saúde, alguma coisa tem que ser feita para frear a transmissão do vírus, porque nós não vamos ter recurso para atender a todos”.

 

O médico, diretor técnico da Santa Casa e vice-prefeito de Olímpia, Fábio Martinez, foi entrevistado no programa “Cidade em Destaque” de quinta-feira, pela rádio Cidade, Youtube e Facebook, pelos âncoras Bruna S. Arantes Savegnago e José Antônio Arantes, quando, entre outras coisas confirmou a situação caótica que o sistema de saúde local e regional estão enfrentando no atual momento, que está a beira de um colapso.

A Santa Casa de Olímpia está com a lotação de sua UTI praticamente esgotada desde o início da semana. Às vezes, no boletim aparece que ainda tem um ou outro leito sobrando, mas é porque existem pacientes em enfermaria que já estão necessitando ser transferidos para a UTI.

Sobre a situação da Santa Casa, o médico disse que está muito crítica, “não só aqui, como na região, no estado, no país. Ontem (na quarta-feira) eu fiz uma postagem, que a gente tinha entrado em colapso e algumas pessoas ficaram assustadas. Mas é o que está acontecendo. Ontem (quarta-feira) nós tínhamos 32 pacientes com Covid internados, hoje (quinta-feira) nós estamos com 31, 15 intubados (100% dos leitos). Na UPA ontem tinha três pacientes intubados.

E continuou: “Ontem, o Doutor Victor da UPA, o diretor técnico, que vem fazendo um excelente trabalho me falou que não demora não tem mais como receber doentes de outras doenças, tamanha a situação da Covid-19. É um trabalho exaustivo, tanto no ponto de vista médico quanto do ponto de vista de organização. Por que a gente está tentando maximizar a quantidade de vagas, e isso é um trabalho conjunto. Não é feito só pelos médicos, é a parte administrativa do Hospital, da UPA, da Secretaria, todo mundo se falando 24 horas para tentar oferecer para o cidadão de Olímpia e da região. A pessoa ir a óbito pela gravidade da doença é compreensível, mas por desassistência não. É isso que a gente chama de colapso e a gente está bem próximo disso”.

A entrevista do médico teve mais de 40 minutos de duração. A seguir os principais trechos:

Cidade em Destaque: Não estamos ainda na situação de colapso?

Fábio Martinez: Sabe quando o copo está cheio, se cair mais uma gota derrama? Ontem, a gente chegou no copo cheio. Se a quantidade de entradas de doentes se mantiver nessa velocidade, o colapso está aí, está na nossa frente. Entendeu?

CD: Como que fica então, se o paciente tiver que ser internado agora?

FM: A gente tem muito doente hoje, por exemplo, no ponto de vista privado, até pacientes que teriam indicação de internação, nós estamos alargando o limite do tratamento domiciliar, isso é um risco. Estamos tendo que fazer isso pela falta de vagas. Na hora que o paciente chega e tem diagnóstico de internação, ele é inserido no computador, no sistema CROS, e esse sistema que está em São Paulo é que fica procurando a vaga, ele procura primeiro na cidade de Olímpia e depois na região, e vai expandindo, como a situação está grave no estado inteiro, eu acredito que se a gente não conseguir resolver regionalmente, vai ser difícil conseguir vagas fora, porque Rio Preto está saturado, Ribeirão está saturado, Campinas está saturado, então é uma situação muito grave, que eu nunca imaginei que a gente pudesse estar vivendo isso”.

COMO ESCOLHER
QUEM VAI PRA UTI OU NÃO

CD: Diante desta situação, como definir quem vai pra UTI ou não?

FM: Depende do quadro clínico de cada paciente, depende também da perspectiva de sobrevivência de cada um. A gente ainda não precisou fazer essa escolha. Por enquanto a gente apenas prioriza: “Esse vai primeiro, esse vai depois, outro vai daqui a pouco”, mas ainda não precisou deixar alguém para trás, entendeu? É importante dizer que o paciente quanto está na UPA ou nos Prontos Atendimentos da cidade esperando vaga, ele não está lá olhando para o teto, está sendo tratado, sendo medicado com antibiótico, com oxigênio, está com tudo o que faria dentro de um hospital. Só que ali tem que ser um momento passageiro, porque senão você vai começar a ter um represamento, e vai comprometer o atendimento dos PAs.

FM: Para fazer o atendimento emergencial, quero até pedir para as pessoas terem um pouco de paciência. Está todo mundo trabalhando na sobrecarga, e aí você tem mais dificuldades de informação, você tem dificuldade de dar aquela atenção que o doente precisa e merece, porque está todo mundo trabalhando sobrecarregado. O gripário está sobrecarregado, a UPA sobrecarregada, a Santa Casa está sobrecarregada, as emergências estão sobrecarregadas, as emergências dos convênios estão sobrecarregadas, é um momento difícil mesmo, e a gente está aí fazendo uma luta árdua para tentar atender toda a população

CD: Quando que começou a agravar mais a situação nesta segunda onda e quando pode colapsar?

FM: Eu vou falar para você que estou perdido no tempo, estou 24 horas no ar, mas acho que há umas duas semanas atrás, se eu não me engano, foi numa segunda-feira, já vimos aquela curva ascender com muita velocidade e espero que as pessoas estejam se protegendo mais e essa curva diminua nos próximos 10 a 15 dias, pelo menos a entrada de doentes, porque no ritmo atual, o colapso está na nossa cara, nos próximos dias. Mesmo que consigamos aumentar o número de leitos é preciso diminuir a entrada de pacientes no sistema, pois é limitado o número de profissionais, de estrutura física, não há como ampliar mais.

NÃO TEM PROFISSIONAIS
PARA AUMENTAR LEITOS DE UTI

FM: Ontem recebi oferta de um serviço privado para ampliar leitos, para financiar a ampliação de leitos, mas nós não temos é material humano para isso colocar em funcionamento. Nós estamos tendo muita dificuldade de contratação de médico, de profissional de enfermagem, tudo porque está acontecendo isso em vários lugares e a concorrência e o medo faz com que percamos gente, a situação é bem angustiante. Eu quero aqui fazer uma menção muito honrosa ao papel do provedor da Santa Casa, pelo o que está fazendo o Luiz Alberto, ele está conseguindo dar todas as condições de trabalho para a gente, mesmo nessa situação. Mas uma coisa que não dá para entender é ficar essa briga política, esse enfoque totalmente errado, onde a prioridade tem que ser a pandemia. Hoje a Santa Casa tem mais de milhão em reais, de serviço já prestado que não recebeu, pois o governo não credencia vagas. Uma hora credencia, outra descredencia, quer dizer, esse buraco financeiro uma hora vai chegar.

CD: E o hospital pode colapsar também?

FM: Até pode, porque o hospital está prestando esse serviço com esses 15 leitos da UTI já faz em torno de uns 10 dias e até agora nós estamos recebendo por 10 leitos. E várias vezes a gente ficou trabalhando com 10 leitos e recebendo por 5. Então, para quem está ficando essa conta? Para a instituição, que não tem como absorver isso. O deputado Geninho e a prefeitura têm sido grandes parceiros, não estou dizendo aqui como vice-prefeito, estou dizendo aqui como diretor e como médico, a prefeitura tem sido um imenso parceiro da Santa Casa para suportar essa pressão de custo, porque o Zacarelli disse que tem conta aqui que triplicou, quadruplicou.

CD: Não está faltando remédio, oxigênio?

FM: Não. A gente está tendo todas as condições de trabalhar, nós temos tudo do bom e do melhor, como nunca tivemos. Eu não sei como eles (provedoria e setor administrativo) estão fazendo, mas estão fazendo o milagre da multiplicação. Porque eu nunca vi, um consumo tão grande de insumo, de medicamento, de oxigênio, o Zacarelli me disse uma vez que a conta de oxigênio era de R$ 30 mil e agora passou a dar cento e tantos mil por mês.

O PROCESSO DE TRATAMENTO NA UTI

CD: O que é intubar?
FM: Intubar é passar aquele tubo pela traqueia do paciente e ligar na assistência ventilatória, que é o famoso ventilador. Então, é quando o doente já não tem a capacidade de respirar, de oxigenar sozinho, ele precisa de um suporte mecânico. O problema é que a partir do momento que esse paciente entra na ventilação mecânica, ele vai ficar 14, 15, 21 dias sob ventilação mecânica, e você tem um respirador dedicado para esse doente.

CD: Ele tem que ser sedado numa espécie de coma?

FM: A gente faz um coma induzido. Além de você tirar a consciência, de tirar a dor deles, você tem que bloquear a musculatura para que o respirador consiga expandir o pulmão de uma maneira melhor. Por isso que você vê tantos pacientes sequelados, paciente grave que perdeu o movimento das pernas, dos braços e vai recuperando devagar e muitas vezes nem recupera. Por que ele tem que usar relaxante muscular, muitos dias. O que não é uma coisa muito comum de você ver numa UTI. Então, esses pacientes de Covid são muitos diferentes, mais graves. A gente, por exemplo, faz o respirador trabalhar no limite. É a mesma coisa de você estar dirigindo com um carro a 250 km/h o tempo inteiro, aumenta a chance de quebra, de ter problemas. Então a situação, o manejo interno, dessas unidades é uma coisa muito dinâmica, em que exige um trabalho em equipe de todo mundo. Outra coisa que não posso deixar passar, e equipe técnica da Santa Casa, da manutenção, o João, o Léo, todo o pessoal que trabalha com ele, que também está 24 horas corrigindo problemas, defeitos para não deixar nenhum equipamento fora de operação.

NÚMERO DE ÓBITOS
DEVE SUBIR NOS PRÓXIMOS DIAS

CD: Quanto tempo para que as aglomerações, como a do carnaval, por exemplo, comecem a influenciar no aumento de casos?

FM: Quando você tem uma incidência maior de aglomeração, dali 14 dias você tem uma incidência maior de número de casos, e daí um tempo você tem um tempo maior de internação e dai um tempo você tem um número maior de óbitos. É sempre uma escalada, maior transmissão do vírus, maior internação, maior óbito. Eu acredito que o número de óbitos, daqui a 20 a 30 dias vai subir bastante, que é reflexo de tudo o que está acontecendo hoje em números de casos. Eu não quero julgar ninguém, mas do jeito que nós estamos hoje no sistema de saúde, alguma coisa tem que ser feita para frear a transmissão do vírus, porque nós não vamos ter recurso para atender a todos.

CD: Quais as principais diferenças entre a primeira e a segunda onda?

FM: Na primeira onda os pacientes que agravavam eram mais idosos, com estado clínico já mais deteriorado, inclusive demorava um tempo maior para entrar no quadro clínico mais grave, em torno de 10, 11 dias. Nessa segunda onda, a gente percebe que tem uma evolução mais rápida da doença e doentes mais jovens, como se fosse algo mais intenso e mais rápido.

FM: Numa pandemia dessas, numa crise dessas, não existe mais gripe e resfriado, tudo o que tiver sintomas respiratórios, até que se prove o contrário, é Covid. E aí o doente, principalmente os idosos, que moram com outros idosos, ou idoso que mora sozinho, têm algo que a gente chama de hipoxemia silenciosa, eles vão caindo a saturação, vão piorando sem ter grandes sintomas. As vezes ficam mais abatidos, deixam de comer, e as pessoas não percebem, porque acham que é alguma outra coisa, e quando chega para a gente já chegam numa situação muito ruim. É onde você não consegue mais reverter o caso.

PROCURAR ATENDIMENTO
NOS PRIMEIROS SINTOMAS

FM: Então o segredo é assim que você tiver sintomas sugestivo do Covid, dor de cabeça, dor no corpo, garganta raspando, porque vai começar assim, porque não vai começar com tosse, é muito raro começar com tosse. Então, assim que começar, é procurar o tratamento, procura o serviço de saúde, público ou privado. Tem que ter uma avaliação médica, que vai avaliar, vai escutar o seu pulmão, vai ver se tem comprometimento pulmonar.

FR: Por que tem gente morrendo antes de ser internado em hospital, ao dar entrada na UPA, por exemplo?
FM: Eu atribuo isso, não conheço os casos, provavelmente ao paciente achar que é outra coisa, demorar para procurar o serviço de saúde e na hora que chega, chega em colapso.

FR: E as sequelas?

FM: Isso é um terreno muito pantanoso, não temos todas as informações, estou te dando opinião de quem está vivendo na prática, o paciente que sai da UTI, sai com aquelas sequelas graves de UTI, como perda de movimentos, fibrose pulmonar importante, com tudo isso. Aqueles casos que tiveram sintomas de leve a moderado, você percebe sintomas dos mais variáveis possíveis, às vezes uma tosse persistente como se fosse uma asma, pacientes com dor óssea, dor muscular muito importante. E tem paciente que a gente vira do avesso e não acha nada, mas o cara tem sintomas e sente. A gente tem pego muitos casos esquisitos de trombose, paciente com isquemia do intestino pós Covid, pacientes com perda de visão, problemas de retina. Se chega um paciente que fala pra mim que teve Covid, então eu já acendo todas as luzes de alerta a hora que eu vou avaliar esse paciente, então eu acho que a gente tem mais perguntas do que respostas atualmente.

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