29 de outubro | 2023

Transtorno do processamento sensorial no autismo

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Uma das características do autismo é a hipersensibilidade sensorial. Ela pode afetar cada um dos cinco sentidos. (Relato de um paciente com autismo).

Cláudia Caetano

“No meu caso, os sentidos mais afetados são o tato e a audição.No caso da visão, também tenho certa sensibilidade com luzes fortes, mas não tanto quanto a toques e barulhos. Também tenho  sensibilidade do olfato, mas, mais uma vez, não é o sentido mais afetado. E, quanto ao paladar, não tenho sensibilidade. No que tange a minha seletividade alimentar, o problema é o sentido do tato, pois sou sensível às texturas dos alimentos. Agora que sabe um pouco mais sobre a sensibilidade dos sentidos, gostaria de explicar um pouco melhor sobre como a da audição me afeta.Para um autista, um barulho alto e repentino pode desorganizar completamente os pensamentos. Além disso, pode causar dor nos ouvidos e/ou formigamento.

Certos barulhos específicos, que variam de pessoa para pessoa, também podem causar dor ou incômodo. Para mim, barulhos como o de pratos se encostando, a buzina de um automóvel, o barulho do ônibus, pessoas gritando, entre muitos outros, me desorganizam e me machucam. Lembro que, na infância, as crianças gostavam de estourar bexigas. Para mim, isso era um pesadelo. Eu saía de perto e tapava meus ouvidos. Outra coisa que acontece é a dificuldade de lidar com muitos barulhos acontecendo simultaneamente. Em lugares com muitas pessoas, normalmente há muitas vozes ao mesmo tempo, além de outros barulhos. Com isso, fica muito difícil me organizar. Nesse caso, não é necessariamente a intensidade do som, mas a quantidade de ruídos no ambiente. Processar tantos barulhos ao mesmo tempo pode ser difícil para o autista, que não gosta de caos.

Preferimos a previsibilidade, tranquilidade e quietude. Apesar disso, para alguns autistas hipossensíveis, lugares barulhentos são uma oportunidade de se auto-estimular. Mas não é o meu caso. Eu prefiro evitar ambientes em que muitas pessoas falam ao mesmo tempo. Não importa se são cochichos, o processamento de tantos estímulos ainda é difícil. Qualquer barulho que eu ouça em meio a esse caos sensorial, independente de estar longe ou perto, parece que está bem ao meu lado. Quando eu era criança, eu tapava os ouvidos na sala de aula por causa do barulho das outras crianças falando ao mesmo tempo.

Por conta desse desconforto, muitos de nós usamos fones de ouvido para sair de casa. É uma forma de evitar a tão temida sobrecarga sensorial.Para lidar com a entrada desenfreada de estímulos sonoros, recorro aos movimentos repetitivos. Tento ser discreta quando estou em público, mas, às vezes, não é possível. Por isso, pode ser que você me veja na rua mexendo os dedos ou as mãos de forma estranha. Também pode se deparar com a imagem do meu balançar de braços, ou me ver batendo os pés no chão, andando de um lado para o outro, roendo as unhas, pulando etc. Em alguns poucos casos, em que não consegui me acalmar, já aconteceu de eu recorrer à autoagressão, mas é raro.

Algo que costumo fazer ao esperar na fila do almoço na faculdade é bater as mãos nas pernas repetidas vezes. Faço isso para lidar com o ambiente barulhento e desconfortável, em que os jovens falam simultaneamente sem se preocupar com o volume da voz, além de haver pessoas tocando piano.Resumidamente, podemos concluir que barulhos altos e repentinos podem fazer mal ao autista. Isso pode ocorrer tanto pela imprevisibilidade quanto pela sensibilidade auditiva. Ademais, é possível dizer que muitos barulhos simultâneos também podem causar muito desconforto, pois nós autistas temos dificuldade para lidar com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo.

Dessa forma, surgem os movimentos repetitivos, que servem como uma tentativa de filtrar os estímulos e se concentrar melhor, evitando uma possível crise.Espero que tenha entendido melhor a hipersensibilidade auditiva no autismo. Com isso, pode tentar melhorar a forma como lidar com autistas, seja falando mais baixo perto deles, providenciando fones de ouvido para ambientes barulhentos ou, principalmente, não intervindo nos movimentos repetitivos, pois agora entende que são uma ferramenta muito necessária à autorregulação do autista.

Cláudia Caetano – Psicopedagoga Clínica

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