23 de dezembro | 2023

Jesus, o amor incondicional e a ética na contemporaneidade

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“Assim, pode haver um caminho para a construção de uma ética na contemporaneidade. Um agir que não depende de ação, mas de transformação interior, de consciência de si e das relações de si com o mundo. Da compreensão do outro em si”.

Do Conselho Editorial

O período é natalino; comemora-se o nascimento de Jesus Cristo, que veio ao mundo para libertar e salvar a humanidade de seus pecados, que vão se ampliando, tomando dimensões gigantescas em razão da falta de ética e do comprometimento com o amor ao próximo.

A leitura da tese de Cibele Lopresti Costa em ‘A ética em O Evangelho Segundo Jesus Cristo’, de José Saramago, faz-nos caminhar por trechos não percorridos que permitem a compreensão do humano e da finitude em Jesus e sua obra.

A desilusão pela qual passa a personagem Jesus espelha a angústia vivida pelo homem na contemporaneidade.

Há perguntas que não encontraram respostas 2023 anos após a sua morte, e a ilusão de que sejam respondidas é quase inexistente.

Por que temos que viver a barbárie? Quem há de nos salvar, se nem mesmo Deus irá nos salvar nesse instante? Que caminhos devemos seguir se a solidão persiste? Que ética nos guiará?

O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso de suas mucosidades e sofrendo em silêncio.

Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo: a sua natureza é humana.

Ele nasceu do corpo de sua mãe e também tem um corpo. Ele é humano e não divino, pois revela sua qualidade humana ao agir no mundo e se afasta da caracterização sagrada apresentada nos evangelhos bíblicos.

O tempo contínuo, expresso pelo gerúndio ‘sofrendo’, revela o movimento constante da dor. Os tempos pretérito e futuro no mesmo enunciado, ‘chorou’, ‘chorará’, dão constância à sua história.

Se todos os seres humanos nascem do mesmo jeito, se todos são filhos da mesma carne e da mesma terra, estão fadados à mesma trajetória. Esta lógica parece demonstrar que não há saída, que Deus antecipa o sofrimento pelo qual Jesus irá passar, que metaforicamente é também o sofrimento vivido pela humanidade.

Segundo Edgar Morin, em seu livro ‘Terra-Pátria’, a consciência da morte leva o ser humano a uma condenação prévia, a um eterno estado de finitude, a ‘viver entre nada e nada, o nada de antes, o nada de depois, cercados de nada durante’.

E ele continua, representando o ato de viver como ‘itinerância’, um caminhar que se inicia no nascimento e pressupõe a morte.

Embora pareça um caminho desalentador, o autor oferece uma saída: todos se encontram em uma aventura desconhecida. A insatisfação que faz recomeçar a itinerância jamais poderia ser saciada por esta.

Deve-se assumir a incerteza e a inquietude, deve-se assumir o dasein (a existência, o ser humano), o fato de estar aí sem saber por quê.

Cada vez mais haverá fontes de angústia e cada vez mais haverá necessidade de participação, de fervor, de fraternidade, os únicos que sabem não aniquilar, mas rechaçar a angústia.

O amor é o antídoto, a réplica, não a resposta, à angústia. É a experiência fundamentalmente positiva do ser humano, em que a comunhão, a exaltação de si, do outro, são levados ao seu melhor, quando não se alteram pela possessividade.

Será que não se poderia degelar a enorme quantidade de amor petrificado em religiões e abstrações, voltá-lo não mais ao imortal, mas ao mortal?

A proposta de Morin para a contemporaneidade parece condizer com a apresentada no romance em questão. As duas apresentam uma saída para a perdição em que se encontra a humanidade, ou seja, sugerem a busca de um novo procedimento ético.

Assim, pode haver um caminho para a construção de uma ética na contemporaneidade. Um agir que não depende de ação, mas de transformação interior, de consciência de si e das relações de si com o mundo. Da compreensão do outro em si.

A ética que resiste à barbárie, pois faz do homem consciência de sua impermanência, de sua finitude e de sua imperfeição.

Feliz Natal e Próspero Ano Novo

 

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