02 de novembro | 2015

Enem – Prova de Redação e de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias – Um bicho-papão?!

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Ivo de Souza

A prova de português do Enem foi um provão. Só o aluno que estudou muito conseguiu acertar as 39 questões. A primeira pergunta (só pra começar) aborda a questão da cultura do hip hop (o rap, o break dancing e o grafite). A se­gun­da fala em “elementos verbais e não verbais”, para se abordar “a estreita relação entre imprensa, cidadania, informação e opinião”.

O aluno teve que trabalhar com textos de Fer­nan­do Bonassi (humor e ironia), Cacaso, Lygia Fagun­des Telles, Cecília Meireles, Chico Buarque, Vinicius de Morais e Toquinho, José Pa­ulo Paes, Arnaldo Antu­nes, Raul Pompéia, Olavo Bilac, Pixinguinha, Gastão Viana (parceiro do mestre Pi­xin­guinha), Ferreira Gul­lar, Lu­iz Gonzaga e Hum­ber­to Te­i­xeira, Graciliano Ramos, Ma­nuel Bandeira e outros nomes que não cito aqui, cujos textos não literários foram muito bem “usados”. Deles foram extraídas perguntas inteligentes e bem elaboradas. Textos informativos, publicitários, funções da linguagem.

E tem mais: o aluno teve de botar seus conhecimentos à prova(e não apenas informações) para “se virar”. As perguntas abordam o Regime Militar (para situar a poesia de Cacaso, ficção contemporânea (Lygia Fagundes Telles – “A estrutura da bolha de sabão”), Modernismo, algumas letras de música, linguagem informal (“comum na música popular”), “gênero textual carta” (questão do eu poético e o inter­locu­tor em “Carta ao Tom 74”), “a reflexão acerca do fazer poético” (José Paulo Paes), preconceitos socioculturais em relação à variedade lin­guística, recursos formais do Concretismo (usados por Arnaldo Antunes), linguagem formal, “contexto histórico e literário do barroco-árcade”, para falar da recriação poética em momentos históricos diversos, texto biográfico, o discurso de Bilac “harmonizando-se com um projeto ideológico que estava sendo constru­ído na Primeira República” (“a prosperidade individual, como a exuberância da terra, independe de políticas de governo”).

Teve, ainda, o candidato a uma vaguinha nas universidades brasileiras de trabalhar com questões que abordam o Sur­realismo (René Magritte, pintor surrealista belgo), com o iorubá (língua africana de escravos trazidos pa­ra o Brasil (“marca da cultura africana mantém-se viva na produção musical brasileira”), “a influência das formas plásticas das produções africanas” nas chamadas vanguardas (“artistas modernos no início do século XX, como Pablo Picas­so”), “artes produzidas por colonizadores e colonizados (“inexiste distinção entre elas”), arte performática, criação de novas palavras (neologismos – caso de sam­bódromo), variedade linguística regional (“Assum preto”), relatório (“texto de natureza oficial”, subjeti­va­do por Graciliano Ramos), redes sociais, “escrita e o­ralidade nas diversas culturas”, recursos da linguagem verbal em textos publicitários (“Cópia rápida fácil. Vai ser bom, não foi?”). E outras cositas mas…

Agora, eu me pergunto. Estariam os alunos da rede oficial de ensino (escolas públicas), em sua maioria, capacitados e habilitados a responder as belas questões do Enem? O nível da prova foi excelente. Linguagem clara e objetiva, textos de fácil le­itura e interpretação, a pro­va, no entanto, exigia conhecimentos prévios (obtidos na vida e nos estudos). Sem essa base consolidada, a prova tornou-se mesmo um bicho-de-sete-cabeças. Não é! Belíssima prova. Sem falar na temida redação – que não trouxe nada de novo. Serve de parâmetro para os professores do ensino médio trabalharem os conteúdos dentro do que propõe o Enem, dentro do que exige o Exame Nacional do Ensino Médio. De gramatiquês, nadica de nada. Que bom! A prova botou o aluno pra pensar. Que bom!

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

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