20 de agosto | 2015

Seita alvo da PF mantém 20 rio-pretenses na escravidão

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Da redação com Diário da Região

Alvo de operação da Polícia Federal (PF), a seita evangélica “Jesus, a Verdade que Marca” mantém pelo menos 20 rio-pretenses submetidos em condição análoga à escravidão em fazendas no sul de Minas Gerais. Na terça-feira, dia 18, seis líderes da seita foram presos, acusados de tráfico de pessoas, organização criminosa, estelionato e lavagem de dinheiro – a seita obrigava os fiéis a doar todos os bens. Com exceção do pastor Cícero Vicente de Araújo, os demais nomes não foram divulgados.

A PF estima que nos últimos dez anos o patrimônio recebido em doação dos seguidores supera R$ 100 milhões. A Justiça determinou o bloqueio de 39 propriedades e 100 veículos, incluindo automóveis de luxo, como caminhonetes Hilux e carros Mercedes Benz. Os seguidores rio-pretenses foram arrebanhados entre 1999 e 2005, quando a seita manteve um templo no Parque Industrial.

Um dos líderes era José Donizetti Buzatto, fazendeiro em Olímpia que ajudou a fundar a filial em São José do Rio Preto. Em outubro de 2005, a seita decidiu fechar o templo na cidade, levando 64 fiéis em ônibus fretados para uma fazenda em São Vicente de Minas, sul mineiro. Todos foram obrigados a doar seus bens para a seita, já que a proposta era viver sob o regime de igualdade absoluta.

Depois de doutrinados nas fazendas, as pessoas trabalham em estabelecimentos comerciais do grupo como, por exemplo, churrascarias, lanchonetes, postos de combustíveis e lojas de peças automotivas. São sempre vigiadas e dormem em alojamentos onde há rígida separação entre homens e mulheres.

Só a aposentada Valdete Ferreira da Silva (foto), de 65 anos de idade, viu nove parentes, incluindo duas filhas, Valéria e Cássia, abandonar tudo em Rio Preto para seguir com a seita, em 2005. Estão lá até hoje. “Fizeram uma grande lavagem cerebral nelas. Valéria diz que a mãe dela morreu”, lamenta Valdete.

Outra rio-pretense, a vendedora Priscila dos Santos Castelli, de 36 anos, ficou um ano e dois meses no sul de Minas. “Trabalhei de graça vendendo trufas de porta em porta. Eles me proibiam de manter contato com a família”, diz.

No início, há dez anos, a comunidade da seita em Minas tinha 800 integrantes. Hoje, a PF estima 6 mil seguidores, alguns residentes na Bahia, para onde a seita pretendia se expandir. A prisão dos líderes é temporária, válida por 5 dias. Apesar da operação da PF, o Diário apurou que os fiéis permaneciam ontem trabalhando normalmente, a serviço da seita.

‘Nem sei se minha mãe está viva’, diz vendedora

A vendedora Priscila Antunes conta que tinha 13 anos quando ela e sua família decidiram largar tudo em Rio Preto para seguir a seita até o sul de Minas. Lá, encontrou uma realidade muito diferente da prometida nos cultos pelo pastor Cícero Vicente de Araújo, líder da seita, um dos presos pela PF. “Passei fome, porque tenho alergia a porco, e a comida lá era feita com banha suína. Dormia em um quarto com 20 pessoas”, lembra.

Priscila também teve de abandonar os estudos. “Diziam que era para que eu não me contaminasse com o mundo.” E era obrigada a trabalhar no haras da fazenda. Certo dia ela foi flagrada assistindo TV e acabou punida. “Ninguém podia falar comigo e ficava de joelhos durante todo o culto”, relata.

Enquanto isso, diz, o pastor Cícero morava em uma mansão e se exibia com caminhonetes Hilux. “Uma vez ele bateu o veículo e poucos dias depois já estava com outra.”

Após três anos, em 2008, ela decidiu abandonar a seita, contra a vontade da mãe e da avó, que continuam lá. “Minha mãe me levou até a rodoviária e nem falou tchau. Nunca mais falou comigo. Hoje nem sei se ela está viva”, afirma.

A seita pagou a ela apenas a passagem de ônibus até Rio Preto e lhe deu R$ 50. Desamparada, Priscila morou na casa de uma tia por alguns anos. Hoje é casada. “Sou muito feliz, porque agora tenho minha liberdade”, finaliza.

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