19 de agosto | 2023

Líder de folguedos critica o Fefol e desabafa sobre a situação atual dos grupos folclóricos

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ESPETACULARIZAÇÃO POPULAR!
Hoje a gente não vale mais nada. Eles trazem aquelas mulheres com a bunda de fora.
Adelis lamenta o atual estágio que chegou e relembra com saudade os tempos do professor Sant’anna.
VEJA A ENTREVISTA COMPLETA NO FINAL DA MATÉRIA.

 

Entrevista Silvio Facetto – O líder de grupos folclóricos que participou do primeiro Festival do Folclore que foi realizado na escola Capitão Narciso, há quase 60 anos, Adelis Paula dos Santos, que mantém a tradição do grupo Terno de Moçambique São Benedito, um dos mais antigos de Olímpia, Folia de Reis e a Recomendação das Almas, foi recentemente entrevistado pelo repórter Silvio Facetto para o quadro “Nossa Gente”, transmitido pela Folha e pelo iFolha no Instagram. Durante a entrevista, ele abordou a situação enfrentada por grupos com os quais mantém ligações, contou muitas histórias e fez comentários sobre o 59º Festival do Folclore que terminou no último domingo, 13.

Para Adelis, os grupos genuinamente folclóricos estão sendo substituídos pelos chamados balés que, segundo ele, não têm nada de folclórico, mas mostram bundas e roupas bonitas enquanto os folguedos têm que se virar para conseguir manter suas fantasias aos trancos e barrancos.

AVÔ ERA ESCRAVO
E MORREU COM 120 ANOS

O integrante dos grupos folclóricos de Olímpia conta que nasceu em Schmitt, a cidade do doce, mas veio para cá ainda pequeno, morar na fazenda Reunidas, com os avós e pais. “Foi onde fui aprendendo a dançar Moçambique e Folia de Reis. Meu avô foi escravo, morreu com mais de 120 anos. Depois que meu avô morreu ficou meu pai. Ai meu pai abandonou eu continuei”.

Segundo ele, o professor Santana foi o melhor amigo que ele teve na vida. “Até hoje sinto a falta dele. A gente cantava folia de reis antes dele fundar o primeiro festival lá na praça. Aquele tempo era no centro da cidade. Ele passou e viu. Aí ele parou e ficou assuntando. Andou o dia inteirinho com a gente. Cantava e dançava junto. E quando foi de tarde, ele me abraçou e falou: Adelis, vamos fundar uma festa em Olímpia, para deixar marcado para todo mundo?”.

“Eu falei: que festa? Um Festival de Folclore. Vocês me ajudam? Eu disse: Se o senhor precisar pode contar conosco. Tudo ele marcava no caderno. Era inteligente para caramba. Perguntava tudo”, garantiu.

PRIMEIRO FESTIVAL
SÓ TINHA 4 GRUPOS
E FOI NO CAPITÃO NARCISO

Adelis explica que o primeiro ano do Festival foi no Capitão Narciso. “Nós ficamos uma semana comendo pipoca. No primeiro ano só tinha eu, os Coelhos da Vila São José e o Zé Gomes da Água Parada, que já morreu também. Eram 4 grupos só. O professor fez um “palquinho” no capitão narciso embaixo daquela paineira perto da quadra e lá não tinha jeito nem do palhaço dançar, se não caia”.

E continua: “Hoje nós não valemos mais nada. Eu tenho que comprar o “acordoamento” e estou fazendo 3, 4 calças, 3, 4 camisas por ano. Apenas para completar um jogo de roupa, porque eles não dão mais. Na época do professor Santana ele dava ano sim ano não, roupa nova. Não precisava nem pedir”.

Além da Folia de Reis e do Terno de Moçambique, Adelis também comanda a manifestação “Recomendação pras Almas”. “O professor ficou sabendo que a gente fazia, então, veio e ajudou. Agora o povo não conhece. O Santana sabia que a gente sabia fazer e queria que fizesse pois somos a capital do folclore”, disse.

“LENÇÕES” E MATRACA
PARA O RECOMENDAÇÃO DAS ALMAS

E complementou: “Então o professor trouxe dez “lenções” e uma matraca, barra boi meu finado pai fazia. O professor dava tudo para fazer o terço; para pessoal comer, beber. A recomendação das Almas era feita 9 dias na quaresma, durante a quaresma e no último dia rezava o terço. Naquele tempo todo mundo conhecia, sabia o significado”.

Um caso interessante contado por ele foi quando bateram na casa de uma família amiga e, pensando que era Folia de Reis, abriram a porta. Quando o homem viu 10 homens cobertos com um lençol branco, caiu desmaiado. “Aí passamos a fazer só no palco durante quase 60 anos, agora esse ano eles cortaram. Queriam a gente fizesse a recomendação para almas, Folia de Reis e Moçambique, com uma caixinha só, num grupo só”, destacou.

RISCA O MEU NOME
QUE EU VOU PARAR

Adelis lamentou: “Eu falei, ó risca meu nome que eu vou parar. Não tem condição. Fita, coroa, eu já comprei e roupa eu tô fazendo duas três camisas, duas três saias por ano, porque faz 12 anos que eles não dão uma roupa nova para nós. Aí a secretária falou assim para mim: vocês têm que ver pois se vocês forem vai ter o folclore e se vocês não forem vai ter o folclore do mesmo jeito”.

Ele afirma que falou: “Já tô sabendo, porque nós hoje não valemos mais nada. Só que a senhora se esqueceu que fomos nós que fundamos esse festival. Eu que fui o primeiro convidado do professor. Ele falava para mim, Adelis eu quero que vocês não me abandonem nunca. Ele é o padrinho desse grupo meu, o professor Santana. No primeiro ano só tinha quatro grupos”.

HOJE ELES TRAZEM
AQUELAS MULHERES
COM AS BUNDAS DE FORA

O líder dos grupos complementou dizendo que o que a mulher falou eles já sabem. “Hoje não vale mais nada. No passado já largaram nóis de fora um ano. Aí perguntaram cadê aqueles grupos que fundaram o festival. Ai voltaram atrás e vieram nos chamar de volta”.

Sobre a festa, Adelis diz que igual ao professor Santana não tem mais. “Ele sabia o que cada roupa, cada instrumento representava. Ele era o melhor folclorista do país, porque perguntava as coisas e marcava, ele era inteligente. Hoje isso tudo não vale mais nada. Nós não valemos mais nada. Hoje eles traz aqueles balés que não é folclore. Aquelas mulheres com a bunda de fora, aquele barulhão que não tem nada de folclore. Hoje, eles nem sabem o que é um encontro de Folia de Reis. Hoje é tudo política. Até o folclore é pra ganhar força em cima da política”, concluiu.

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