28 de maio | 2017

Investigação coloca Olímpia no centro do contrabando paulista

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A investigação levada a efeito pela Polícia Federal (PF) coloca o município de Olímpia no centro de um megaesquema de contrabando, incluindo comércio de medicamentos proibidos e até armas, do Estado de São Paulo. De acordo com o que foi levantado, inclusive com a quebra de sigilo telefônico e gravação de diálogos, a movimentação dos aviões que transportavam as mercadorias era totalmente controlada por pessoas que residem na cidade e que, até teriam acesso ao Comando da Aeronáutica, da capital.

De acordo com um levantamento do Ministério Público Federal (MPF), de São José do Rio Preto, o esquema sonegou R$ 57,8 milhões aproximadamente, em impostos por dois anos. A muamba vinha do Paraguai em três aviões, em voos quase diários – a PF contabilizou 244 ao longo de dois anos de investigação na Operação Celeno deflagrada no ano de 2016.

De acordo com o jornal Diário da Região, que teve acesso a grande parte dos processos judiciais decorrentes da Celeno, foram investigadas quatro organizações criminosas de contrabandistas. O grupo que atuava no Noroeste paulista era formado por 32 pessoas e incluía uma grande transportadora de Rio Preto, três pilotos e sete “pisteiros” baseados em Olímpia – cabia a esse último grupo receber os aviões em pistas clandestinas em meio à cana-de-açúcar situadas entre Icém e Olímpia, em esquema semelhante ao tráfico aéreo de cocaína.

Segundo a denúncia do MPF, o líder do grupo era Orlando Teófilo, que já foi preso em flagrante em um avião recheado de muamba em Barretos, há dez anos. “Quem administra sou eu. Quem que determina os voos sou eu. (…) Meu negócio é profissional”, disse em um dos diálogos captados pela PF com autorização judicial.

A muamba seguia em caminhões de Ciudad del Este até o aeroporto de Salto del Guairá, também no Paraguai. De lá, vinha de avião até as pistas clandestinas na região de Rio Preto – cada voo transportava uma média de 600 quilos de mercadoria, avaliada em US$ 500 mil, estima o MPF. Os pilotos recebiam US$ 1,5 mil por viagem, conforme a PF.

Das pistas, o contrabando – tecnicamente, o crime é de descaminho – seguia até o galpão da transportadora “Oitava Região”, em Rio Preto, de onde era transportada até depósitos que o grupo mantinha em Osasco, na Grande São Paulo. Na Capital, a mercadoria ilegal era “esquentada” com notas fiscais e comercializada em São Paulo e também nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Sergipe.

Deflagrada em junho de 2016, a Operação Celeno cumpriu 28 mandados de prisão e 75 de busca e apreensão. Tanto o núcleo baseado no Paraguai quanto os pilotos e os pisteiros foram denunciados por organização criminosa, contrabando ou descaminho e falsificação de produtos terapêuticos ou medicinais. As ações judiciais decorrentes da investigação ainda não foram julgadas pela 1ª Vara Federal de Paranavaí. Os réus negam a prática de ilegalidades.

Organização criminosa contratou Bandeira em Olímpia em 2016

Nos primeiros meses de 2016, quando a Operação Celeno já se aproximava de um desfecho, uma segunda organização criminosa passou a utilizar os serviços de Marcos de Melo, o Bandeira, morador de Olímpia, para descer seus aviões em canaviais da região de Rio Preto.

Trata-se do grupo chefiado por Sérgio Ricardo Colombo, empresário de Ribeirão Preto com passagens policiais por contrabando. Em março de 2008, Colombo e outros comparsas foram flagra­dos descarregando muam­ba de um avião no meio de um canavial em Tabapuã.

Na Celeno, ele se associou a outras 21 pessoas para trazer contrabando do Paraguai. Seus quatro aviões ficavam hangaria­dos no aeroporto de Gua­rarapes, região de Araçatu­ba. Quando acionados, os pilotos contratados levavam a muamba do país vizinho até uma de três pistas clandestinas operadas pelo grupo: duas entre Borebi e Lençóis Paulis­ta, na região de Bauru, e uma em Penápolis.

Em seguida, o grupo levava a muamba até SP, em caminhões escoltados pe­lo próprio Colombo. A PF radiografou 148 voos realizados pelo grupo, com a sonegação estimada de R$ 38,4 milhões em impostos.

No dia 9 de novembro de 2015, porém, um dos aviões de Colombo foi interceptado por policiais militares logo que pousou em Borebi. Dentro da aeronave, a PM apreendeu 64 pacotes de anabolizan­tes e medicamentos.

A perda do avião e da mercadoria fez Colombo mudar sua rota e procurou Bandeira. Esse por sua vez, passou a aliciar pilotos de aviões agrícolas na região, incluindo um de Catanduva. Com mandado de prisão, Colombo está foragido.

SUBORNO TERIA CHEGADO À FAB

Os diálogos captados pela Polícia Federal na Operação Celeno indicam que Orlando Teófilo, líder de uma quadrilha de contrabandistas com um braço na região de Rio Preto, pagou propina para um coronel da Força Aérea Brasileira (FAB) para evitar in­ter­ceptações dos caças da Aeronáutica aos aviões dele.

Em 18 de novembro de 2014, Teófilo escreveu no celular BBM para Marcos de Melo, o Bandeira, “pis­te­iro” de Olímpia a quem caberia receber os aviões com muamba em pistas clandestinas na região.

“Vo pra sp Hj / Fala com F.A”, escreveu o líder – F.A, para a PF, é Força Aérea”. “E mesmo. Posso saber. / Motivo / Dessa ida”, pergunta Bandeira. “Acerto com forca aérea / ?”. “Se­rio / Mais firme mesmo”. “Pra ter ingormacao (informação) / Comdo (Comando) geral (…) Meu quando eu quero eu. Consigo / (…) Eu vo acerta do meu bolso / 1 ano de trabalho pra conseguir (para a PF, um indica­tivo de que o montante pa­go foi elevado). “Mais dai eles (outras quadrilhas) fica so espera­no vc voa eles vem atraz pq sabe ki ta limpo”, questionou Bandeira. “por isso nos nao vamos contar pra ninguem”.

Naquele mesmo dia, um pouco mais tarde, Orlan­do conversa pelo telefone com outro integrante do grupo, chamado Deiver, sobre ida à FAB: “Tava no Cambuci. Cambuci, 4º COMAR.” O 4º Comando Aéreo Regional da FAB fica no bairro do Cambuci, em São Paulo”. “Ué”, rebate Denver. “Cambuci, eu tava. Agora já tô saindo, já tô indo pro outro lado aqui, que eu tô com um pessoal aqui, tratando de outro negócio”. “Hum rum. Tá”. “Eu fui lá, conversar com um coronel, lá”. “Entendi”. “Amigo… ficou amigo meu”.

Entretanto, os áudios captados pela PF também sugerem que Marcos de Melo, o Bandeira, mantinha contatos dentro do aeroporto de Rio Preto para saber da presença de caças da FAB e helicópteros da Polícia Militar na região.

No dia 6 de abril de 2014, o piloto Tharley Ro­drigues de Almeida, o Ray, avisa Bandeira que um avi­ão da FAB estava na rota entre Rio Preto e Ribeirão Preto. “To chegando tem um Tucano na Area / To ouvindo ele / Ele decolo de SJ Rio Preto pra Ribei­rao / Tinha um Tucano ai me aguardando e Mole depois você vai ai no Aero e confirma”. “Vo la no aero”, reforça Bandeira. Em outros diálogos, o pisteiro especifica que é o aeroporto de Rio Preto.

O grupo de Bandeira era arisco, observando toda a movimentação no céu. Em maio de 2014, Valde­nil de Melo, o Nivaldo, irmão de Bandeira e motorista do grupo, alerta esse último sobre a presença do helicóptero Águia, da PM. “Aguia ta aki”, escreve Valdenil. “Foi pro lado guapiacu”.

Há também um trecho em que Bandeira pergunta a Márcio Salvador se haveria operação do Exército em Rio Preto. O empresário diz que não.

OUTRO LADO

O nome do coronel não é revelado na conversa. Em nota sucinta, a FAB informou que foi instaurado e concluído um inquérito policial militar (IPM) pelo 4ºComar, “cujos autos já foram encaminhados à Justiça Militar da União”.

Líder acabou preso em 2007 ao descer com avião em Barretos

Graças ao contrabando em série, o líder da quadrilha, Orlando Teófilo, conquistou um pequeno império no Paraguai. Lá, ele possui uma empresa transportadora, a All Trans Cargo, e mora em um condomínio de luxo em Ciudad del Este, o Country Club, onde uma casa vale ao menos US$ 5 milhões. Além disso, chegou a ter três aviões, todos usados para o contrabando, segundo a PF. Ele foi preso em 2007, após aterrissar com avião em Barretos.

Nascido em São Paulo, Teófilo mudou-se ainda jovem para Foz do Igua­çu. De acordo com a Polícia Federal, pelo menos desde 2004 ele atua no contrabando aéreo de mercadoria. Acabou preso em 2007 pela Polícia Civil, quando um dos se­us aviões desceu em uma pista clandestina na zona rural de Barretos carregado com muamba avaliada em R$ 1 milhão, em valores da época. Cinco foram presos em flagrante. Com o piloto, foi apreendido um caderno que continha coordenadas geográficas de 40 pistas clandestinas na região.

O piloto confessou o crime. Disse que o avião decolara de Mundo Novo (MS), próximo à fronteira com o Paraguai, e que a aeronave fora adaptada para transportar contrabando no pequeno aeroporto de Ibirá. Teófilo seria condenado pelo crime de descaminho. Mas àquela altura já estava no Paraguai, para onde se mudara em 2012. Desde que a Celeno foi defla­gra­da, em junho de 2016, ele é considerado foragido.

Além de muamba, o esquema de Orlando Teófi­lo levava do Paraguai pa­ra a região de Rio Preto ana­bo­lizantes e medicamentos de uso controlado ou proibido no Brasil, segundo o Ministério Público Federal (MPF). Os produtos eram levados para São Paulo, onde eram co­mercializa­dos.

Em diálogo de maio de 2014 captado pela Polícia Federal, Wesley Gaigher e Edson Alexandre de Oliveira debatem pelo Black­ber­ry Messenger (BBM) a compra de anabolizantes diretamente do Paraguai. Wesley gerenciava os três depósitos de mercadorias da quadrilha em Osasco. Edson era seu subordinado direto. “Uma pergunta / tem stano liq. e oxitoland / 20 de cada / pra somar com um pedido aki, escreve Edson. “Tem / Trás pra mim 5 dualid e 50 sibu / Trás essas 50 cxs”

De acordo com a denúncia do MPF, a dupla se referia aos anabolizantes s­ta­nozolol e oximetolona. Normalmente utilizados para ganhar músculos, podem provocar hipertensão, doenças no fígado e queda de cabelo. “Dualid” e “sibu” significam cloridrato de anfe­pra­mona e sibutramina, medicamentos para emagrecimento. O primeiro teve a comercialização proibida no Brasil em 2011 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O segundo teve indicação médica restrita devido a seus graves efeitos colaterais: taquicardia, derrame e infarto.

Wesley costumava receber longas listas de medicamentos proibidos no Brasil e anabolizantes para encomendar com Orlando Teó­filo no Paraguai. Um dos compradores em São Paulo chega a encomendar 150 caixas de Pramil, remédio para disfunção erétil não autorizado pela Anvisa.

Em maio de 2014, Benta, outra cliente de Wesley, pergunta a ele sobre a sibutramina e o Dualid. “Posso buscar a sibu e dualid amanha e já deixo ai?”, pergunta Benta. “Tão me enchendo aqui por causa desses dois itens ai”. “Sim senhora / Pode vir buscar amanhã”. “20 (ca­i­xas de) sibu / 5 dua­lid / 2 oxandrolona”. Esse último é um este­ro­ide utilizado para emagrecimento e ganho muscular que pode levar ao crescimento de pelos.

Devido à comercia­li­za­ção desses produtos, o MPF denunciou Wesley e Edson pelos crimes de organização criminosa, contrabando ou descaminho e falsificação de produtos tera­pêu­ticos. A pena para esse último crime vai de 10 a 15 anos de prisão.

Em alguns voos, o grupo também transportava armas, principalmente pistolas automáticas, conforme imagens enviadas entre os integrantes da quadrilha.

Propina não impediu os caças da FAB abordassem aviões do grupo

Entretanto, embora a­nun­ciada, se foi paga, a pro­pina não impediu que caças da FAB abordassem os aviões do grupo. Em setembro de 2014, enquanto transportava mais um carregamento de muamba a­té a região de Rio Preto, o piloto Paulo Maluf Pinheiro, o Cuiabá, narrou a Bandeira a aproximação de um avião da Força Aérea.

“Chegou bem perto agora, e fez primeira chamada, susse… / Quer dizer… + ou – susse / Se eu te falar que são dois (caças), um falou que exatamente assim: “vamos picar fogo! Esses 500 kilos de droga vai virar uma bola de fogo, te vejo no inferno paraguaizinho” / E deu uma risada igual de dessenho: HaHaaaHAaaaaaa!!!”.

“Credo so fala. Naun po­de / Jamais vao abater / E proibido”, responde Bandeira. Cuiabá seria preso em flagrante em 2016 no Para­guai, quando se preparava para transportar 420 quilos de cocaína para o Brasil.

Na verdade, a Lei do Abate permite a derrubada de aviões suspeitos, o que na prática seria a pena de morte. Por isso, nunca foi aplicada no Brasil. O que não impede a FAB de dar tiros de advertência.

Em outubro de 2015, o piloto Luís Antônio de Li­ma, o Massa, decola de Salto del Guairá com 84 pacotes de muamba. A apenas 5 minutos do local de pouso, já no Noroeste paulista, Bandeira nota, do chão, que o avião era seguido por um caça da FAB. Bandeira orienta o piloto a retornar ao Paraguai. Antes de cruzar a fronteira, no entanto, o caça atira na asa esquerda da aeronave, provocando rombos na fuselagem, o que obriga Massa a fazer um pouso de emergência em Salto del Guairá.

Bandeira diz que o governador Geraldo Alckmin estava em Rio Preto na­que­le dia, o que poderia justificar a presença da Força Aérea. Dias depois, o avião é levado para conserto em Paranavaí (PR).

OUTROS LADOS

O advogado Ulisses da Silva e Oliveira Filho, que defende Orlando Teófilo e Sérgio Ricardo Colombo, não quis se manifestar sobre o caso. O defensor de Kamila Bernardes de Oliveira, Galib Jorge Tannu­ri, também preferiu não se pronunciar ao Diário da Região.

Os proprietários da trans­portadora Oitava Região, em Rio Preto, Márcio Augusto Salvador e José Au­gusto Salvador, negam participação no esquema. “Caímos em uma arapuca. Fomos usados pelos contrabandistas. Só trabalhamos com nota fiscal”, afirma Márcio. Ele negou ter tido contato com Marcos de Melo, apesar dos diálogos captados pela PF.

Augusto César Mendes Araújo e Mariana Pascon Scrivante Galli, que defendem Marcos de Melo e o piloto Luís Antônio de Lima, entre outros réus, criticam o fato de a investigação da PF ter se iniciado com uma interce­pta­ção telefônica. “Por isso, pedimos a nulidade das escutas”, afirma Araújo.

O advogado também pede a absolvição dos dois pela falta de provas materiais, já que, durante a investigação, não houve um flagrante relativo ao grupo de Teófilo. “Toda acusação se baseia basicamente nas escutas, que são nulas, no nosso entendimento.” Araújo também questiona os cálculos dos valores sonegados, que, segundo ele, se baseiam em um avião a­preendido em 2012, antes do início da Celeno. O advogado também disse que Bandeira nega ter subornado policiais. Os advogados dos demais citados na reportagem não foram localizados pelo jornal.

Suborno chegava a funcionários de usinas, fazendas e até policiais

De acordo como que foi apurado, o chefe dos “pisteiros” era Marcos de Melo, o Bandeira, morador de Olímpia, que, segundo consta, subornava funcionários de usinas e de fazendas e até policiais. Bandeira era extremamente articulado e metódico. Escolhia as pistas a dedo, como revelam diálogos dele com Teófilo em 2014 via Bla­ckber­ry Mes­senger, ou BBM, principal ferramenta de diálogo do grupo.

“To acertano 2 fazenda aki …vc naun tem ideia”, escreve Bandeira. “(…) Longe de qualquer suspeita / Nunca nunca pouso nada la nada nada / Fora dus olhos humano”.

Bandeira chegava a pista escolhida na véspera bem cedo para avaliar se havia alguma movimentação suspeita. Espalhava seus “olheiros” em um raio de oito quilômetros ao redor da pista, inclusive na rodovia mais próxima, com vigilância em todos os pontos de acesso à pista clandestina.

A comunicação entre e­les era por rádio, conforme atesta imagem enviada a um piloto por Kamila Ber­nardes de Moraes, a Crys­tal, também de Olímpia. “Tem ki tranca todas as portas de entrada pras fazendas / Naun pode re­lacha / Tem ki ta todo dia como se fosse o primeiro / Não pode acomodar”, diz a um subordinado de Teó­fi­lo.

A mercadoria era levada até a transportadora em Rio Preto em um ou dois pequenos caminhões, escoltados por três batedores em carros – a função deles era alertar sobre a presença de policiais nas rodovias.

Bandeira costumava subornar todos os que pudessem colocar em risco suas atividades. Isso incluía pequenos presentes a funcionários de usinas e administradores de fazendas, como perfumes contrabandeados. “Então esses perfume

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