19 de outubro | 2014

“Chão de Giz”

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Ivo de Souza

Infelizmente, o professor não teve muito o que comemorar no seu dia. Há muito mais para se pensar (refletir) a respeito de tantas coisas que ocorrem com a Educação brasileira – e que não deveriam ocorrer. A começar pelo salário dos professores, digno de vergonha. Se alguns gover­nantes tivessem um pou­quinho de consideração com a profissão e com o ser humano, teriam vergonha da forma indigna e vil com que  remuneram seus docentes.

E o que falar das escolas (com espaços físicos em condição precária) em ruínas e das instalações precárias de tantas outras, onde crianças sentam-se no chão para assistir às aulas.

O professor não é “apenas” um “missionário”, nem trabalha apenas para satisfazer,  inflar o seu ego. Tem filhos para criar. Tem o direito de receber pelo trabalho que desempenha, de acordo com sua responsabilidade social (não é justo que um vereador, com todo o respeito que merece, ganhe mais do que um professor. Frases de efeito não levam a lugar algum. O que resolve mesmo é a prática, a mão na massa, o trabalho árduo do dia a dia na sala de aula (entre as terríveis quatro paredes!!!).

A tecnologia (cantada em prosa e verso) chegou, mas não chegou a todas as escolas públicas, nem chegou como deveria ter chegado. Foi, aos poucos, sendo empurrada para dentro das escolas (há exceções). Primeiramente, alguns computadorezinhos, depois uma coisinha aqui, outra lá… Temos professores suficientemente preparados, capacitados, habilitados para trabalhar com as mais modernas ferramentas tecnológicas todos os conteúdos pro­gra­má­ticos de todas as disciplinas em todas as escolas? Infelizmente não.

Sobram-lhes, muitas vezes, o quadro negro (que não é negro, mas esverdeado), o giz e o principal: o conhecimento e o como transmitir esse conhecimento aos alunos . A tecno­logia é substituída pela força do querer fazer. E fazer da melhor forma possível. Fazer, doar-se por inteiro, estudar, ler muito. Estar, enfim, preparado para o bom combate (aquele que combateu São Pedro) que se trava todos os dias nas salas inibidoras, muitas vezes com mais alunos do que deveriam abrigar, muitas vezes com dois ventiladores velhos para mais de quarenta corpos suados (às vezes em certas escolas, nem ventiladores há). Há exceções conforme já assinalei, mas a regra é quase geral.

O sucesso das escolas se de­ve a um corpo docente qualificado e aos pais. Quando os pais gostam da escola e dos professores de seus filhos, vêem a criança progredir, crescer como gente (queremos que sejam todos futuros cidadãos) em sabedoria, educação e cidadania, a escola vai bem. Mas e quando muitas dessas crianças não têm nem família? O que fazer? O que fazer quando essas crianças estão abandonadas à própria sorte ou ao “Deus dará”? É quase impossível lutar contra um sistema, uma estrutura social solidificada, cristalizada em classes (ou estratos) sociais, enraizada (com raízes profundas), muitas vezes, na antiética e na inexistência de valores morais e dos grandes valores humanos. Como pode a escola resolver problemas dessa natureza, se não está preparada para isso? Não foi preparada para isso?

Sei que as coisas estão difíceis para os nossos professores. É tempo de pensar, repensar e refletir o próprio fazer pedagógico. Quem sabe assim possamos (eu me incluo aqui) ainda sonhar com a redenção de tantas escolas públicas e da Educação brasileira. Srs. Professores, à luta!

P.S.: E a gente tem de engolir (campanha eleitoral aceita tudo) político que não entende nada de educação, desconhece a realidade educacional brasileira, só ouviu alguém falar vagamente a respeito, cujos filhos (salvo exceções) estudam em escolas particulares, tem dinheiro para isso, botar a cara na telinha e dizer que “as escolas, em meu mandato, serão de tempo integral”. Cara de pau é pouco! Pano rapidinho!!! Ou melhor passe o apagador rapidinho…

P.S.2: Eu me sinto extremamente envergonhado quando vejo e ouço esses senhores (não são todos, felizmente) brincando com um assunto tão sério quanto à Educação brasileira, a única forma de o país deixar para trás toda miséria, toda violência, toda intolerância juntamente com toda a ignorância.

 

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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