31 de agosto | 2014

O Conceito e a Prática

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“Amar o que o mar traz à praia…” (CDA)

Certas palavras perdem sua carga significativa por serem usadas para expressar qualquer coisa, menos o que realmente significam. Ou melhor, o uso e o abuso de certas palavras fazem com que haja a banalização desses termos e, com isso, tudo que significavam, profundamente, já não significam mais. Sua significação (seu sentido) boiou para a superfície. E ali fez morada. Tudo é nivelado por baixo.

Amor, ética, paixão já não significam amor, ética, paixão. A frase “eu te amo de paixão”, o que será que isso quer significar? E por aí vai, ou melhor, vamos…

Ética passou a ser uma palavra qualquer. Conceitua-se o termo com frequência (ou se tenta fazê-lo), mas, na vida prática, onde anda a ética? Outra que sofre do mesmo mal (incurável parece) é cidadania. Desgastou-se com o uso. Precisa ser levada a uma oficina e ser novamente forjada a ferro e fogo. E pensar que milhões de brasileiros não conhecem a cidadania na verdadeira acepção da palavra!

Ao contrário do falar “da boca pra fora”, o amor anda fora de moda; é o desamor que anda prevalecendo, alimentando a violência de toda sorte, inclusive as guerras medonhas.

O que é amor? Amar sem conta? A natureza, os amigos, os irmãos, os inimigos, os pobres, os miseráveis, os feios, os sujos. Amar, verdadeiramente, amar! Na verdade, essas palavras fortes também são usadas pela mídia sem critério algum, principalmente nas peças publicitárias. Só que tem um detalhezinho: a mídia massificadora sabe muito bem o que quer (e o que não deseja) quando usa palavras como amor, felicidade, sucesso, ética, cidadania e outras mais (pena que os pobres mortais consumidores nem suspeitem de tão boas intenções…).

Enquanto vivermos (e muito mal) apenas os conceitos deturpados, as coisas continuarão de mal a pior, pois, na verdade, continuaremos a pautar nossas relações pessoais pelos chavões, pelos clichês. Não sairemos do lugar comum. Não sairemos da superficie e das superficialidades.

E a criatividade humana, e a verdadeira expressão de nossos sonhos, nossos desejos, nossos afetos? Não podem ser verdade se as expressamos com palavras desgas­tadas pelo uso indevido, pelo modo inconsequente com que lidamos com elas e pelo desprezo pela própria língua-mãe (aquela “inculta e bela”).

É preciso mais cuidado, mais cautela, mais zelo quando palavras como ética, moral, cidadão, cidadania, amor e outras fugirem de nossa boca para alcançar o nosso interlocutor. Principalmente se estamos diante de uma turma de crianças e adolescentes dentro das terríveis quatro paredes de uma sala de aula.

Já perceberam o que certos políticos (a maioria deles) fizeram com as palavras educação, saúde, habitação e segurança? Usaram-nas até desgastarem a sua significação verdadeira por completo. Exauriram (com falsas promessas) o sentido primeiro dessas palavras. É por isso que todos temos vontade de cair na gargalhada quando vários desses senhores dizem que vão prio­rizar essas áreas. Mentira! Na verdade, estão usando simplesmente o conceito des­gastado (esvaziado) de palavras tão belas e primordiais (quando significativamente concretizados tais conceitos) na vida dos brasileiros. E tenho dito!!!

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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