17 de agosto | 2014

“Estrelas mudam de lugar”

Compartilhe:

Ivo de Souza

Tinha, no rosto e na alma, as marcas, os traços e a garra do avô. Diz a sabedoria popular que ninguém morre na véspera. No auge de sua carreira (ele ainda iria brilhar mais) política, saiu de cena, sem dizer adeus. Disse a algumas pessoas até logo… e partiu, de forma trágica, triste, chocante. Pegou o Brasil de surpresa, numa manhã escura, molhada e fria. Uma manhã que não combinava com seu entusiasmo pelo Brasil, seu amor por dona Renata e por seus cinco filhos. Miguel nasceu em janeiro deste ano. O nome é uma homenagem ao avô de Eduardo, o lendário líder de esquerda, Miguel Arraes.

Jovem, Eduardo havia completado 49 anos no dia 10, tinha uma belíssima carreira política pela frente. Sua candidatura crescia em vários setores da sociedade brasileira. E a tendência era que crescesse ainda mais – ao despedir-se de Marina e de amigos, ainda no Rio, não  escondia de ninguém sua alegria pela repercussão de sua entrevista na Globo.

Em 1990, elegeu-se deputado estadual e, em 1994, deputado federal. Em 1998 foi reeleito. Foi ministro da Ciência e Tecnologia no governo Lula. Em 2006 foi eleito governador de Per­nambuco, quando derrotou o PFL; em 2010, reelegeu-se governador com 83% dos votos.

Essa brilhante trajetória política levou-o à candidatura à Presidência da República. Prometia combater a velha política” e ser uma alternativa (uma terceira via) ao “rodízio” de poder entre tucanos e petistas em nível federal.

Infelizmente, a campanha rumo ao Planalto foi interrompida de forma trágica na manhã de 13 de agosto, mesmo dia da morte de seu avô, em 2005.

Passada a comoção da morte de Campos, a campanha volta ao normal (ou quase isso). Marina Silva é a substituta natural na chapa que tinha Eduardo como cabeça. Dizem, porém, que o PSB poderá lançar um nome para ser o cabeça da chapa. E Marina continuaria como vice.

Analistas políticos são unânimes ao desenhar o perfil de Eduardo Campos, que surpreendia a velha classe política ao transitar em várias searas, sem constrangimentos melindres. Assumia o político que era. Foi chamado de “candidato-anfíbio” pela revista “Piauí”. Transitava de um polo a outro com a maior naturalidade possível; da direita à esquerda, da situação à oposição, confirmando sua excepcional habilidade de articulador (dos melhores da política nacional).

Na verdade, Campos era um conciliador; juntava as pontas de polos opostos e desatava os nós que apareciam nesse ato de não radicalizar, demonstrando flexibilidade na arte de negociar politicamente – era um craque nessas situações.

O Brasil perde além de um político nato, que recebeu no próprio seio familiar as mais belas e profundas lições do que seja (ou possa ser)Política, um grande brasileiro, um homem de bem e do Bem.

Foi assim que ele se expressou ao receber o pequenino Miguel, recém-chegado: “Seja bem vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, Você chegou na família certa! Agora, todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado. Miguel, que nasceu com a síndrome de Down, deve ter-se sentido aconchegado e amado nesse momento.

P.S.: Aécio Neves disse, em nota, que a morte de Campos era “irreparável e incompreensível”. E, visivelmente emocionado e chocado, desabafou: “Quero deitar na cama com os meus filhos e apagar a luz.”

P.S.2: O título do texto é o mesmo do belíssimo e poético cartum de Angeli (Folha de São Paulo, 14 de agosto de 2014). Uma forma de homenagear esse grande artista.

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

Compartilhe:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do iFolha; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Você deve se logar no site para enviar um comentário. Clique aqui e faça o login!

Ainda não tem nenhum comentário para esse post. Seja o primeiro a comentar!

Mais lidas