27 de fevereiro | 2022
Vereadores sabem que o referendo é constitucional?
Esta situação promete ter continuidade e dependendo
dos próximos capítulos pode até vir a público se o
referendo é ou não constitucional e ai, se for,
vai ser lindo a população saber que os
responsáveis por fazer lei não são
preparados para
cumprirem sua missão.
DO CONSELHO EDITORIAL
Será que o vereador Márcio Iquegami, o prefeito Fernando Cunha e os demais vereadores que votaram pela “inconstitucionalidade” proposta pelo Executivo do referendo na Lei Orgânica do Munícipio, desconhecem, ou fingem por conveniências desconhecer, que o referendo é constitucional?
Se não votaram desconhecendo a proposição do Executivo e sua nota explicativa que venham a público se explicar, pois até agora a narrativa é de que o referendo é inconstitucional.
Já para vereadores advogados, Zé Kokão, presidente da Câmara, João Stelari e a também a advogada Edna Marques desconhecerem esta constitucionalidade é, sem sombra de dúvidas, espantoso.
Aos outros, mesmo que a justificativa possa parecer real aos olhos do leigo, quando se curva para compreender o custo e o aparato que cerca os homens públicos e o número sem fim de assessores, o desconhecimento causa constrangimento.
Os que são operadores de direito,se voltassem aos bancos da escola e ouvissem atentamente os mestres do Direito preocupados em ensinar o mínimo, o básico da matéria, talvez escutassem estas falas.
A Constituição Federal é norma fundamental que organiza o Estado e determina a divisão dos poderes políticos, os direitos e garantias fundamentais, a ordem social e econômica.
Quando a constituição fala em “lei”, ela está fazendo em sentido amplo, ou seja, remete a ela própria (norma constitucional) e as leis em si (todas as leis editadas no país).
A Constituição se coloca em relação às demais normas legais em posição proeminente, de supremacia, de sorte que todo o sistema jurídico há de estar com ela conformado (princípio da supremacia da Constituição).
O controle (análise de compatibilidade vertical) decorre, então, da rigidez e supremacia da Constituição, que pressupõe a noção de um escalonamento normativo onde a Constituição ocupa o topo da pirâmide (Kelsen), sendo, por isso, fundamento de validade de todas as outras normas.
A inconstitucionalidade pode dar-se por ação quando há atos do Poder Público ou Leis em contraposição à Constituição.
Dado este copia e cola para a turma do fundão que não estava atento ao básico, vamos a questão que envolve o referendo, sem abandonar o copia e cola.
Artigo 14 da Constituição Federal de 1988
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
- plebiscito;
- referendo
- iniciativa popular
Como observaram os mais atentos o poder emana do povo e o referendo se encontra no artigo 14 da Constituição, portanto, alegar inconstitucionalidade acerca do referendo ou é ter faltado às aulas ou acreditar demasiadamente na falta de noção da população.
Continuando: Como a Constituição é norma tem que haver lei federal que regulamente o texto constitucional.
Os que leram com atenção entenderam que a Constituição é norma e que precisa de lei para ser regulamentada e a lei nº 9.709 regulamenta exatamente a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal.
Art. 1o A soberania popular é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante:
I – plebiscito;
II – referendo;
III – iniciativa popular.
E explicita a diferença entre plebiscito e referendo.
Art. 2o Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
- 1o O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.
- 2o O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.
Artigo 40 da Lei Orgânica do Município prevê no seu § 3º o exercício da soberania popular realizar-se á da seguinte forma:
2- um por cento do eleitorado do Munícipio poderá requerer a Câmara Municipal a realização de referendo de lei;
A legislação estadual segue a mesma ondinha constitucional da realização de plebiscito e referendo, como se vê, o que não pode é ficar faltando nas aulas de Direito Constitucional, ou não contratar assessores que juridicamente dominem o tema, ou não digam amém ao patrão para não perder o emprego.
Agora vem a parte pior de ter faltado a aulas tão importantes, iniciando a parte dois.
A Câmara tem legitimidade para declarar inconstitucionalidade de uma lei?
Primeiro que tratando de uma lei criada no próprio Legislativo local soa terrivelmente patético e folclórico que a mesma casa de leis, anos depois de sancionada, venha, a pedido do Executivo discutir uma lei criada pelo Poder Legislativo.
Não seria interferência de um poder no outro?
O cidadão é um dos legitimados para discutir em ADI a inconstitucionalidade da lei, se ampararia no Ministério Público para provocar o TJ e o STF; já os vereadores, prefeito, partidos políticos com representação no Congresso, sindicatos etc. poderiam ingressar diretamente no STJ para discutir a possível inconstitucionalidade da lei caso houvesse.
Tanto os vereadores quanto o prefeito poderiam provocar o TJ para questionarem a inconstitucionalidade da referida lei e não o fizeram talvez por terem certeza que a mesma não é inconstitucional.
Tanto assim é que no final do parecer contratado pelo município encaminhado à Câmara Municipal no seu final aconselha que “deva ser abandonada a ideia de referendo ou consulta ou plebiscito, não indicados no caso e que podem inclusive configurar uma inconstitucionalidade.
Como bem se pode observar do texto não se afirma que o plebiscito, referendo ou consulta popular são inconstitucionais e sim “que podem” inclusive configurar uma inconstitucionalidade.
Há uma diferença muito grande entre podem configurar uma inconstitucionalidade e “é” ou “se trata” de uma inconstitucionalidade.
A maneira de dirimir esta dúvida seria provocar o TJ para que se manifeste sobre o assunto através de uma ADI, Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que o senhor prefeito poderia ter feito, ou a própria Câmara por serem legitimados para tal.
Como não há previsão na Constituição Estadual em relação ao referendo por tratar somente de Plebiscito e ser omissa em relação ao referendo, pode, como diz o parecer, haver o entendimento de que o TJ não seja o foro adequado para a discussão.
Muito embora haja quem entenda que por analogia tendo a Constituição regulamentado o plebiscito premiou na regulamentação o referendo por se tratarem de consultas como mesmo teor e que fazem referência a consulta popular sendo que um ocorre antes da votação e outro após.
Mas assim não sendo, o tema pode ser discutido através de uma ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – que é uma ação destinada a evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público (união, estados, Distrito Federal e municípios).
Esta situação promete ter continuidade e dependendo dos próximos capítulos pode até vir a público se o referendo é ou não constitucional e ai, se for, vai ser lindo a população saber que os responsáveis por fazer lei não são preparados para cumprirem sua missão.
Ou será que os vereadores sabem que o referendo é constitucional e há mais coisas entre nossos legisladores e a privatização do que pensa a vã filosofia?
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