21 de dezembro | 2014

Uma Crônica de Natal (memórias de Silvia e Alice, minhas irmãs)

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Ivo de Souza

“Mudou o Natal? Ou um mudamos nós?” Hoje o Natal é diferente. O comércio comprou para si o Natal (e nós ajudamos a pagá-lo: somos culpados). E o menino? Em muitos casos, fica lá esquecido em um presépio improvisado, num canto da sala.

Minha madrinha, d. Geni, criava, com mãos encantadas, os mais belos natais de nossa infância. Iam as meninas e os meninos cortar o mais bonito pinheiro que houvesse. Cortavam-no e o levavam para a casa da madrinha, que caprichosa e cuidadosamente o enfeitava: bolas, laços, ursinhos e o algodão (era a nossa neve tropical). Ficava lindo! Ao pé da árvore de Natal, os presentes eram colocados. Só seriam entregues na noite do dia do Natal. A curiosidade, a alegria e a ansiedade batiam no coração da me­ninada. As caixas eram lindamente enfeitadas. E os adultos trocavam cartões natalinos: um mais bonito que o outro. Eram colocados em envelopes coloridos e seguiam seu destino. Longe ou perto, eles chegavam. Anunciando a chegada do Natal. E como era bom abrir aqueles envelopes perfumados! Com desejos de saúde, paz e alegria. De Feliz Natal. Nunca se esqueciam do Menino, que vinha para nos trazer tudo de bom. Vinha renovar a nossa vida.

D. Geni botava meninos e meninas para ajudar a preparar a festa: bolos, cookies, panetones, tortas… Tudo preparado com amor e muita ale­gria.Reinavam a concórdia e a fraternidade entre crianças e adultos. À minha mãe cabia a parte dos salgados: frangos deliciosos recheados (cheios, como se dizia), leitoas pururucadas, quartos de cabrito e de carneiro… Tudo assado no forno à lenha. Uma fartura só. Uma gostosura!

E, na noite natalina, chegava também o Papai Noel – que fazia a entrega dos presentes. As mais lindas bonecas, os mais belos trenzinhos, carrinhos à pilha, ursos, cãezinhos e outros animaizinhos de pelúcia (tudo muito cheiroso, muito lindo).

Minha mãe preparava os filhos para uma festa de gala. Os meninos, de terno, e as meninas com seus vestidos de gala: rendas, bordados, fitas de cetim e os belos sapatinhos “de boneca”. Esculpia tranças e cachos nos cabelos das meninas e os arrematava com belas e largas fitas engomadas. Impecáveis!

Em lugar de destaque, minha madrinha armava um presépio precioso.

Antes de toda a festança, a reza, o terço, os cumprimentos. As orações e os pedidos de saúde e de paz. E o canto. Minha madrinha ensaiava canções natalinas com o pequeno coral de parentes, familiares e vizinhos. E não faltava a belíssima “Noite Feliz”, que comovia a todos. As almas mais sensíveis choravam, emocionadas (e quem não chora?).

Depois das orações, os bolos, as tortas doces e salgadas, e o tradicionalíssimo cookie (com uma farofa doce (indescritível!) que cobria o bolo. Os salgados, o arroz temperado e a maionese eram servidos antes de qualquer outro prato. Para os adultos belíssimos vinhos. E as nobres castanhas, em belas cestas ornamentadas, enchiam os olhos: nozes, avelãs, amêndoas e a castanha portuguesa (cozida). As frutas da época forravam a mesa: peras, maçãs, ameixas, uvas.

Docinhas e saudáveis, deixavam um perfume no ar. As farofas (sim, as farofas, eram sempre duas ou três) ficavam a cargo da prima Carmelita. Vinham em travessas de louça decoradas. Eram leves, saborosíssimas. E a meninada tomava refresco: de pera, de uva, de maçã, de abacaxi… em pequenas taças.

Como éramos felizes (e a gente nem desconfiava disso), como o tempo corria lento, como eram longos os dias. E o Natal custava a chegar, mas era uma felicidade só esperar a chegada do Menino nas noites cobertas de luz, cheias de paz, fraternidade e comunhão.

Tenho saudade daqueles dias, lá em Canoinha, Santa Catarina. A própria cidade era um presépio com verde e flores por todos os cantos. As orquídeas (as mais lindas que já vimos) brotavam incontáveis e de todas as cores nos galhos das árvores. As crianças subiam nas árvores para colher aquelas jóias raras. Só as flores. A planta permanecia lá. Intocável! As flores voltariam no ano seguinte. Enfeitar de cor e perfume as nossas pequenas vidas. Que alegria! Que presente dos céus!

Hoje, muitos que tiveram o privilegio de viver esse conto de fadas real estão (como dizia Bandeira) dormindo. Dormindo profundamente. Rita, José, João, bom-dia! “A vida segue sempre em frente, o que se der fazer?” Feliz, feliz Natal!

Este texto é para a Maria Eugênia Donadão, para o Hélio e a Helena de Souza Pereira, d. Maria Vilela, para o professor Valdecir Casagrande, enfim, para todos os amigos da coluna.

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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