08 de janeiro | 2017
Tudo outra vez
Do Conselho Editorial
Muito embora o Brasil e os brasileiros retomem seus hábitos de normalidade após fevereiro, e, para ser mais exato, depois do carnaval, a vida começa a esboçar suas exigências pós-comemorações natalinas e festejos de final de ano e de início de ano novo.
Tudo rasteja calmamente na direção da normalização. Os mais exaltados e festivos recolhem os bocejos, se despedem das ressacas; os contidos esticam as pernas, espreguiçam; os religiosos guardam terços, bíblias, desmontam presépio; os mais astutos pensam na continuidade das presepadas.
E assim, este quebra-cabeça que é a sociedade de consumo, vagarosa e timidamente vai voltando ao eixo, se lubrificando para em fevereiro, início das aulas, dar o pontapé inicial em direção a assumir na totalidade todas as responsabilidades e irresponsabilidades de se conviver em sociedade.
Antes, porém, uma pausa para a entrega aos festejos da carne durante quatro dias que serão um pouco mais para desaquecer os tamborins e fazer roncar grossa a cuíca da produção em série.
O sistema cantará daí em diante. O samba que o sistema ordena ritmado ao som das cédulas produzidas pela ganância e pelo desejo fútil e inútil de posse de coisas passageiras que passam como a vida, com a vida.
Enquanto isto se leva com a barriga, discutindo futilidades e dando importância ao que não têm, mesmo que o mundo esteja despencando a volta.
A visão macunaímica do herói sem caráter parece estar impregnada na alma de grande parte dos brasileiros para que as grandes tragédias pareçam vizinhas de quintal das grandes comédias e se comunicam bem, embora não devessem ser assim em tempo integral.
O desmonte do Estado se assemelha ao abandono do estádio de futebol. Há pequenas reações do povo ou do público esportivo mais nada tão significativo ao ponto de influenciar mudanças radicais e necessárias em ambos os casos e noutros.
Embora o ano tenha se iniciado com grandes tragédias para os brasileiros, com massacres interpretados como acidentes, nada disto tirará a tranquilidade deste povo cordial que, em sua maioria, se manifesta pela alienação e se deixa conduzir, muitas vezes, ou maioria das vezes, pela manipulação midiática.
Nada mudará, governante e povo, ao que tudo indica, continuarão se desrespeitando, um não cumprindo as funções para as quais foi escolhido e o outro não cobrando que o exercício do poder seja levado a efeito de forma séria, ética, transparente e resultando em serviços prestados de qualidade pelo menos compatível com a elevada carga tributária imposta à população.
Ano novo, vida nova que, indolente e preguiçosa, se monta e se prepara vagarosamente para depois dos festejos de Momo começar a dar o ar da graça, enquanto se pensa e se repensa nas circunstâncias de um país “carnavalizante” possuidor de muito riso e pouco siso, muita loucura e quase nenhum juízo.
Enquanto as engrenagens não se movem vai se vivendo a modorra e o esgotamento físico neste período de férias pessoalmente concedido a cada um por desejo e inspiração própria e a todos de forma inconsciente ditada pela alma e pela cultura da omissão, da permissividade consentida pelas autoridades cuja obra no seu conjunto retrata a escolha popular e é a cara do povo que representa.
Heróis sem caráter como Macunaíma, que a vista e possibilidade de qualquer mudança, como o ano que se inicia depois do carnaval, prefere a frase que mais o define no livro de Mário de Andrade.
“ – Ai! que preguiça! … que o herói suspirava enfarado. E dando as costas pra ela adormecia bem. Mas Ci queria brincar inda mais … Convidava convidava… O herói ferrado no sono. Então a mãe do mato pegava na txara e cotucava o companheiro. Macunaíma se acordava dando grandes gargalhadas estorcegando de cócegas. – Faz isso não, oferecida! – Faço! – Deixa a gente dormir, seu bem… – Vamos brincar. – Ai! que preguiça!…”
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