16 de março | 2014

O Homem, o meio

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Ivo de Souza

Ainda outro dia, aqui, fazíamos considerações acerca do homem bom, que é corrompido pelo meio. Outra questão deve ser levantada nesse momento da discussão: o homem é, forçosamente, corrompido, corrompe-se (e o meio que leve a culpa) ou se deixa (porque quer) corromper? E mais: de que meio degenerado e corruptor falamos? Que meio é esse que degenera e degrada o homem bom?

Todos sabemos (há alguém que não saiba?) que milhões de brasileiros vivem – sobrevivem – em condições sociais, econômicas e culturais da mais perigosa precariedade, onde permeiam a fome, o analfabetismo e, muitas vezes, o trabalho “análogo à escravidão”. Crianças são vítimas de maus tratos e têm de conviver com “famílias”  totalmente desestruturadas, ou melhor, nesses casos não se pode nem, com muita propriedade, falar-se de família. Os pais (os homens) não conseguem prover a subsistência da prole e nem sequer dão conta da difícil tarefa de educá-la – esses pais (pais e mães) também não foram à escola e educam seus filhos como foram educados pelos seus pais. Forma-se, então, um círculo vicioso em que vidas passadas são reproduzidas “ipsis litteris” no presente. E o serão no futuro. Nesses meios, em geral (há exceções), outros fatores contribuem para que muitos jovens se percam: as drogas (inclusive o álcool e o cigarro), a pedagogia da pancada, do grito, do ódio, do desamor. E para piorar, incontáveis vezes, essas crianças e jovens têm o pai encarcerado numa dessas superlotadas, fétidas e deprimentes celas de um presídio. Outros tantos são filhos de mães solteiras e acabam sendo criados pelas avós, verdadeiras heroínas, em muitos casos.

Visto nessa perspectiva, o meio pode perfeitamente moldar caracteres ainda em formação. Haveria também uma predisposição que conduziria as nossas crianças e jovens para esse ou aquele caminho? É claro que nesse meio nefasto existem criaturas boas, jovens que procuram trabalhar e à noite “freqüentar” as escolas e até as universidades (são casos esporádicos com a saudável tendência ao crescimento). Esses não teriam se deixado corromper pelo meio. Porque são mais fortes psicologicamente? Porque ainda têm uma família com bases sólidas a apoiá-los, a aconselhar e a, principalmente, dar-lhes exemplos de honestidade, responsabilidade e respeito à vida?

Na verdade, essas questões e outras não referidas aqui – casos de gravidez precoce e de prostituição – requerem estudos e firme tomada de atitude política (políticas públicas muito bem planejadas poderiam salvar muito do presente e do futuro do país), sem os quais (estudos e a firma tomada de atitude política) muito, ainda, infelizmente, ouviremos contar tristes histórias (verdadeiras tragédias) e, às vezes, conhecê-las bem de perto, histórias de jovens assassinados, uso indiscriminado de drogas e violência sem fim. Infelizmente.

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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