08 de dezembro | 2013
Liberdade para o black power de Lucas!
Ivo de Souza
A Intolerância é a mãe do preconceito. Ou o contrário? Da intolerância e do preconceito para a violência é coisa de um passo. E o intolerante (preconceituoso) passa a agredir física ou moralmente o outro, aquele que se tornou alvo de sua ignorância. Enquanto não aprendermos a conviver com o diferente, o mundo viverá em guerra constante, prevalecendo a violência de toda a espécie, a confusão, o caos estabelecido.
E o que dizer (senhoras e senhores) quando a intolerância parte de alguém ou de uma instituição que teriam o dever moral e ético de combater o preconceito?
Uma escola particular da grande São Paulo negou a matrícula a um menino porque ele tem o cabelo “crespo e cheio”, ou seja, tem nitidamente em seus cabelos encaracolados a marca de sua afrodescendência, esta, sim, a verdadeira causa de a escola “punir” o menino, aliás, um excelente aluno, se levarmos em conta as excelentes notas marcadas em seu boletim escolar (de 8,5 para cima).
O que essa escola está ensinando a seus alunos é o que deve ser perguntado, quando põe para fora do seu espaço intramuros um aluno (uma criança) que só quer estudar? Que projeto político-pedagógico tem essa escola? Que metodologias praticam seus professores? Que visão têm esses docentes do seu próprio fazer pedagógico (de seu ofício?)? O que quer essa escola e a quem ela serve são outras questões a serem levantadas.
Uma professora alegou que a franja do menino caía-lhe sobre os olhos, atrapalhando o seu desempenho escolar, e já havia pedido à mãe do garoto (num bilhete) que o menino cortasse os cabelos. Lucas nem tem franja e ainda que a tivesse ela não lhe cobriria os olhos, pois seus cabelos grossos e crespos não lhe cairiam sobre a testa (a menos que o garoto alisasse os cabelos).
Lucas (salvo engano, é esse o nome do menino) é um belo garoto. Moreno (de pele clara), belos olhos de jabuticaba (negros como as noites sem luar) e belíssima cabeleira (cabelos grossos e encaracolados como os dos anjos bem louros). E, acima de tudo, esperto, inteligente e feliz. E isso deve incomodar muita gente que se arvora defensor da moral e da família e em dono da vida alheia. Esse filme (de terror ou uma comédia trágica?) a gente já viu. E sabe muito bem como termina. Infelizmente.
P.S.: Quando ficou provado que os cabelos não atrapalham o menino no seu desempenho escolar, criou-se outra desculpa também ridícula e risível: os cabelos de Lucas estavam atrapalhando as outras crianças a enxergarem a lousa…
O caso foi parar na polícia. E é assim que tem que ser.
A mãe de Lucas (uma mulher branca), ao relatar o caso, chorou… Sentiu que seu filho fora injustiçado. E a injustiça dói!
P.S.2: 1) Gostaria muito de saber em que aspecto os cabelos do garoto ferem a dignidade e a honra da escola. 2) Quanto a cabeleira (que é bem aparada e cuidada) prejudica o processo político pedagógico da entidade escolar. 3) Em que proporção os cabelos de Lucas afetam sua inteligência ou atrapalham os colegas de classe.
Se a escola conseguir responder convincentemente (com sólidos argumentos) a esses três (ou quatro) questionamentos, se sou eu o responsável pelo menino, tenham certeza, Lucas apareceria no dia seguinte na escola sem um fio sequer de cabelo. Carequinha-da-silva: máquina zero! Aí seria recusado na escola. Motivo? Falta de cabelo…
Em tempo: A intolerância e o preconceito são, para mim, doenças. Sem qualquer possibilidade de cura. “Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”…
P.S.3: A coluna, de luto, homenageia um dos maiores homens do século XX, o sr. Nelson Mandela. Que lições esse homem deu ao mundo!
Ivo de Souza é professor universitário.
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