06 de dezembro | 2015

Hoje é dia de mulher e da mulher, como deveria ser todos os santos dias

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Oh! Metade de mim, Oh! Metade arrancada de mim leva o vulto teu, que a saudade é o revés do parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já que morreu.

Chico Buarque

Willian A. Zanolli

Esperam que o meu discurso cítrico e crocante brote do fundo das pedras onde pousam os musgos da minha intemperança, mas, não.

Nego, eu me nego a interromper o fluxo matinal deste meu desejo desperto de não ser acordado pela atordoante realidade.

Deixe que se rasguem, se despedacem os loucos, insanos, ébrios, intolerantes, “pedaçudos coscorobas, que eu prosseguirei deglutindo meu bom bocado, meu doce relembrar de coisas que podem ser e estão tão boas e belas como grama orvalhada na manhã em que o sol boceja acalantos de dormir os sonhos do menino que já fui.

Mocinhas, eis ai um bom motivo para entardecer a sexta e convidar o sábado à rede mansa das horas que diluem os dias.

Estão por todo lado, sorrisos e dentes, cabelos que se espalham ao vento e braços que parecem sempre que abraçam o mundo.

Mocinhas encantadoras de todas as idades, do primeiro dia de vida ao centésimo décimo sétimo aniversário, estão elas por ai discutindo batons, tapetes, cachorrinhos, a novela, o livro de auto-ajuda, os filhos que se foram, os filhos que estão.

Às vezes entra um ou outro marido na conversa como cachorro que caiu do caminhão de mudanças e é dissecado em palavras.

Um colar, um vestido, um olhar mais ousado, aquele cara mal educado do magazine, o gerente do banco, a inveja da vizinha, o carro novo do marido, o namorado da filha, a namorada do filho, o neto, a neta, o primeiro emprego, namorado, genro, sogra, tio, madastra, padastro, o sapato da liquidação, o perfume que incomoda no ônibus e o capacete fétido do mototaxista.

Sem contar, como estão caras as coisas, nem deu para comprar a tintura do cabelo, como estava frio ontem, nem parecia o mesmo, falou que não vinha e nem ligou, ainda bato neste menino, rasgou meu sofá novinho, lugar de cachorro não é dentro de casa, eu já te falei e cala a boca que é hora da novela.

E falam de tudo ao mesmo tempo estas jóias raras, estas eternas meninas, estas tetéinhas, como se fosse o mundo que está suspenso há milhares de anos cair de um minuto para outro no precipício das noites eternas indo findar para todo sempre no quintal do sem fim.

Amá-las passa exatamente por isto, perceber que o que pode parecer eterno, às vezes tem a duração de um milésimo de segundo.

O coração de cada uma delas, bisavós, avós, mães, irmãs, tias, primas, sobrinhas, namoradas, mulheres, amantes, traz pendurado como asas coloridas de araras, milhares de perdões que como um colar de conchas marinhas adorna o cume mais alto e mais colorido dos ápices das emoções humanas.

Este o feixe das sensações saborosamente amarradas umas as outras que vai indicando para o coração que nos entende, a alma feminina, que é como jardim de girassóis.

Sóis que levantam solenes como gemas laranja de ovos, ou lua que deita cor de prata sob a lagoa em Juquiá, ou o mar que se estende como lençol azul de linho sob o infinito oceano das paixões.

E não é hoje o dia consagrado as mulheres na folhinha política das comemorações que dão a coisa bela a triste idéia da “coisificação”, Mas, como todo dia é dia de índio e dia de todo mundo que cigano dança do dilúculo ao crepúsculo, a valsa, o tango, o rock e as baladas do cotidiano que sangra e ri da alegria e da dor de toda gente, hoje é dia de mulher e da mulher, como deveria ser todos os santos dias.

Hoje é dia de todos nós que fomos e estamos enquanto ridentes e tristonhos por ter sido um dia despejado carinhosamente da mais úmida e quente das cavernas, para ser amamentado, acariciado pela mais doce de todas a criaturas que a natureza teve o privilégio de criar.

Filhos de todas vocês, somos nós todos, ignorantes, estúpidos, belos, sem sabor, magnânimos, egoístas, idiotas, parvos, generosos, lúcidos, alucinados, porra-locas, paranóicos, doces, amargos, geniais seres humanos que criam e matam, que crescem, mas não se esquecem nunca do primeiro seio sugado, do primeiro lábio beijado, dos grandes amores que só grandes mulheres que são todas, para cada um, pode proporcionar e proporcionam.

Não tinha muito do que falar, nem por que falar, mais uma criança lambuzada de sorvete de chocolate que mais parecia terra, uma mulher com um pano de prato a esfregar a sua boquinha e uma bem-te-vi que fez o ninho no meio dos fios de alta tensão e alimentava três biquinhos de filhotes barulhentos despreocupada com a correria motora dos homens modernos, fez voltar a lembrança para o fato de que existem mulheres, a vida ainda é possível.

 

Ai como esta moça é distraída, sabe lá se está vestida ou se dorme transparente? Ela sabe muito bem que quando adormece está roubando o sonho de outra gente. Ai quanta maldade há nesta moça, e que aqui ninguém nos ouça, ela sabe enfeitiçar, pois todo marmanjo da cidade quer entrar nos sonhos que ela gosta de sonhar e ser um Tutú Marambá. Boi, Boi, Boi, Boi da cara preta pega esta criança que tem medo de careta.

Chico Buarque

 

Willian A. Zanolli é ar­­tista plástico, jornalista, estudante de Direito, pode ser lido no www.willianzanol­li.­blo­gs­pot.com e ouvido de segunda, quarta, quinta e sextas-feiras, das 11h30 às 13h­00 no jornal Cidade em Des­taque, na Rádio Cidade FM 98.7, e, aos domingos, no Sarau da Cidade, das 10h00 às 12h00, na mesma emissora de rádio.

 

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