03 de agosto | 2014

Eterna Discussão

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Ivo de Souza

Ninguém, até hoje, conseguiu definir com precisão (de modo objetivo, conciso…) o que seja arte. E os debates a respeito do tema continuam quentes, acalorados, inconclusos, porém. E continuarão.

Seu Ferreira Gullar anda sempre preocupado com a questão. Agora, em relação à arte contemporânea, pergunta se se vive o fim ou o recomeço da arte. Acredita o escritor que  há muito de negativo nas chamadas manifestações contemporâneas, embora (em alguns poucos casos) tenha conseguido reconhecer que o artista tinha alguma inventividade. Parece haver, aqui, uma certa incoerência do artista, posto que seu Ferreira Gullar andou (por vários caminhos) procurando os chamados “novos modos de expressão”. Chegou a botar pra escanteio a matéria-prima da poesia, a palavra, e o poema tomou uma nova forma de expressão (“plástico-pictórica”). Já não era mais poesia, no sentido tradicional da palavra. Virara um quadro? Ou quase isso?

Os artistas incentivavam o espectador à participação, a interagir com a obra – para Gullar essa intromissão conduzia à destruição da obra. E cita os penetráveis, de Lygia Clark.

Tais experimentações anteciparam a chamada “arte contemporânea”, em que toda forma de expressão era vista como arte. Lygia Clark, segundo Gullar, teria dito, certa vez, que o que fazia (“desintegração do quadro e tudo mais que caracteriza a pintura”) já não era arte. Seria o fim do que se convencionou chamar de arte.

O caminho estava aberto, e a vanguarda dessa abertura, geral e irrestrita, foi o cubismo. As experimentações artísticas surgiam sob as formas mais inesperadas, com a liberdade de se usar os mais variados materiais. O conceito de arte ampliou-se. Até o urinol de Du­champ virou objeto de museu. E provocou polêmicas intermináveis (e provoca até hoje).

Ficar pelado numa sala de exposições, soltar urubus e até “matar um cão numa galeria de arte”, tudo virou arte. Sem limites para as formas de expressão artística. Chegara o tempo das chamadas instalações. Tudo (ou quase tudo) era permitido. Desde que fosse diferente da arte tradicional.

E Gullar fala em talento. Na verdade o que ele estava (está) querendo dizer é que é preciso ter talento para ser um grande artista, um artista verdadeiro (“é preciso ter em si determinadas qualidades e capacidade”). E cita Noel Rosa e Volpi como fazedores (criadores) de arte, em oposição a um “compositor medíocre” e a um “pintor medíocre”.

E o assunto volta ao princípio: o que é arte, o que não é arte? Para Gullar, é “o impacto da obra, sua beleza, sua expressividade que afirmam a obra como arte de fato”. O mesmo aconteceria com a arte contemporânea (parece haver aqui uma contradição do poeta…).

Quanto às inovações tecno­lógi­cas, acredita Gullar que a pintura (cuja natureza é artesanal) não dá conta de expressar “plenamente” a nova realidade (ou virtualidade?). Não seria suficiente para suprir as demandas de agora (com o que não concordo).

E se rende à arte contemporânea, a qual seria a passagem para o novo, uma forma de arte que venha ao encontro das  exigências do novo mundo em que (sobre) vivemos.

Na verdade, a obra de arte é para ser sentida como expressão da sensibilidade e do talento criador do artista. Precisa emocionar, muito mais do que ser racionalizada. É esse o objetivo da função poética da linguagem, que exige labor e elaboração, trabalho e talento.

E o poeta resume, assim, a ópera: Veja bem, ninguém se torna compositor ou romancista ou pintor simplesmente porque decidiu ser. É preciso ter capacidade. E estamos conversados, digo eu.

 

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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