03 de novembro | 2024

Uma Sociedade em Colapso

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“Uma sociedade só estará verdadeiramente saudável quando cada indivíduo puder encontrar, sem pressa e com o apoio necessário, o seu próprio caminho para a paz e o equilíbrio”.

 

José Antônio Arantes

Vivemos em uma sociedade onde os sintomas de transtornos mentais deixaram de ser uma exceção para se tornarem uma regra, especialmente em cidades como Olímpia, onde esse avanço não só espelha, mas intensifica uma crise global de saúde mental. Em recente entrevista ao podcast Pod Pai e Filha, o psiquiatra João Paulo Cristofalo compartilhou números alarmantes: apenas no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) da cidade, aproximadamente 800 pessoas são atendidas mensalmente, com sintomas de ansiedade e depressão.

Esse volume denuncia uma demanda crescente que, se ignorada, poderá evoluir para uma verdadeira calamidade.

As razões para essa explosão de casos de ansiedade, depressão e outros transtornos não são simples. Cristofalo pontuou que o aumento desses quadros está diretamente relacionado ao contexto moderno, no qual a exposição excessiva a estímulos digitais, a cobrança por desempenho e a perda de rotinas de autocuidado impõem uma pressão constante sobre o indivíduo.

O bombardeio diário de informações, somado a uma exigência desumana de produtividade e satisfação, cria um ciclo de esgotamento que sobrecarrega a mente e o corpo, deixando-nos à beira do colapso.

ISOLAMENTO E VAZIO EXISTENCIAL

Mas essa perspectiva médica é apenas a ponta do iceberg. A análise filosófica e sociológica revela uma sociedade não só adoecida, mas também isolada e alienada, onde o ser humano perdeu o contato com o sentido da própria existência.

A filosofia e a sociologia há muito vêm denunciando as consequências de uma sociedade voltada apenas para o consumo e o desempenho. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em suas críticas ao que ele chamava de “moral do rebanho”, já advertia que uma vida sem propósito profundo leva ao ressentimento e ao vazio existencial.

A ANSIEDADE MODERNA

Em um mundo onde a realização é medida pela quantidade de “likes” nas redes sociais ou pelo poder de compra, o sujeito encontra-se cada vez mais distante do que é essencial. A ansiedade moderna é, de muitas formas, fruto de uma vida onde os valores humanos são trocados por métricas digitais, e onde o tempo para a introspecção é constantemente substituído pelo consumo.

Nesse sentido, a filósofa francesa Simone de Beauvoir nos ajuda a entender essa insatisfação ao propor que, em vez de sermos “sujeitos livres”, tornamo-nos “objetos de desejo alheio”.

PERDA DA AUTONOMIA

Quando vivemos para atender às expectativas dos outros, seja no trabalho, nas redes ou na vida social, deixamos de nos ver como agentes livres e conscientes, passando a ser definidos pelo olhar externo. É nessa alienação do eu que a ansiedade encontra solo fértil para crescer.

Sem a autonomia e a liberdade para se desenvolver segundo nossas próprias necessidades e valores, tornamo-nos escravos de um sistema que nos esgota, ao mesmo tempo em que nos isola.

O PAPEL DA TECNOLOGIA

Cristofalo alertou sobre o papel das redes sociais e da tecnologia no agravamento desse quadro. A luz azul dos dispositivos digitais, que perturba o ciclo do sono, é apenas um dos fatores físicos que intensificam os transtornos mentais.

Mas a questão é mais profunda. Nas redes, projetamos uma versão idealizada de nós mesmos e consumimos a imagem editada dos outros, o que gera uma sensação ilusória de conexão e pertencimento, mas que, no fim das contas, só amplia o vazio.

MODERNIDADE LÍQUIDA

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em suas reflexões sobre a “modernidade líquida”, argumenta que as relações modernas são marcadas pela superficialidade e pelo temor do compromisso, o que resulta em uma conexão vazia que desintegra o tecido social.

Bauman sugere que, em um mundo onde tudo é passageiro, o indivíduo se vê constantemente pressionado a corresponder a padrões inalcançáveis, na tentativa de encontrar um sentido e uma posição fixa em um universo de relações efêmeras.

CICLO DE COMPARAÇÃO E VALIDAÇÃO

Esse cenário, onde as relações humanas são frágeis e volúveis, é ideal para que a ansiedade floresça, pois o sujeito se encontra preso a um ciclo interminável de comparações e busca de validação. Esse padrão faz com que ele perca a capacidade de estabelecer vínculos profundos e significativos, perpetuando a sensação de isolamento e desamparo.

Outro ponto levantado por Cristofalo diz respeito à busca frequente por soluções rápidas, como medicamentos que suprimam temporariamente os sintomas.

SOLUÇÕES RÁPIDAS E A NECESSIDADE DE PACIÊNCIA

Essa abordagem, no entanto, apenas mascara o problema real. A pressa por soluções imediatas reflete a ansiedade de uma sociedade que quer resultados instantâneos, mas que não está disposta a lidar com as causas profundas da doença.

Nessa lógica, a mente é vista como uma máquina que precisa estar sempre operando no máximo desempenho, e qualquer sinal de exaustão é tratado como uma falha a ser corrigida rapidamente. No entanto, é fundamental compreender que a saúde mental não pode ser gerida como uma linha de produção.

A DIMENSÃO SOCIAL DA SAÚDE MENTAL

A saúde mental não é apenas uma questão individual, mas coletiva. Cristofalo nos lembrou que muitos dos pacientes que frequentam o CAPS em Olímpia enfrentam desafios que vão além das questões psiquiátricas: problemas sociais, como o desemprego e a falta de apoio familiar, agravam os transtornos mentais e evidenciam o papel das condições de vida no bem-estar psíquico.

Esse ponto dialoga diretamente com as reflexões de Karl Marx, para quem o ser humano se define, em grande parte, pelo contexto social em que vive.

UMA SOCIEDADE QUE PRECISA DE MUDANÇAS

Em uma sociedade onde a competição e a desigualdade são incentivadas, o sofrimento psicológico é uma consequência direta das estruturas socioeconômicas que colocam o indivíduo em constante estado de vulnerabilidade.

Diante desse cenário, não há soluções fáceis, mas há passos que podemos tomar para mitigar a crise. Cristofalo sugere que, assim como realizamos exames físicos regulares, deveríamos dedicar mais atenção ao acompanhamento de nossa saúde mental.

A NECESSIDADE DE REAVALIAÇÃO DE VALORES

De fato, é essencial que o indivíduo tenha acesso a terapias que incentivem a autocompreensão e o autoconhecimento, de forma que ele possa desenvolver resiliência diante das pressões externas. Contudo, a solução não se limita ao atendimento médico.

É necessário que toda a sociedade se mobilize para reavaliar seus valores e prioridades, incentivando uma cultura onde o sucesso e a felicidade não sejam medidos apenas pela produtividade ou pelo status.

VALORIZANDO O COLETIVO E O SER

A filosofia e a sociologia nos ensinam que não podemos tratar a saúde mental de forma isolada. Somos seres sociais, dependemos de nossas relações e do nosso ambiente para prosperar. Investir em políticas públicas que priorizem o bem-estar coletivo, como a criação de espaços de convívio, a promoção da cultura e o incentivo ao lazer, são passos essenciais para construir uma sociedade mais saudável.

Precisamos promover o debate sobre a importância de redes de apoio e da presença familiar e comunitária, como Cristofalo ressaltou, pois é essa rede que nos sustenta e nos ajuda a enfrentar os desafios.

CONSTRUINDO UMA SOCIEDADE SAUDÁVEL

O aumento dos casos de ansiedade e depressão é, em última análise, um sintoma de uma sociedade adoecida que prioriza o ter sobre o ser, que impõe um ritmo desumano de consumo e produtividade e que substitui relações profundas por interações superficiais e passageiras.

Enquanto continuarmos a negligenciar as causas subjacentes desse colapso, não estaremos cuidando verdadeiramente de nossa saúde mental.

O CAMINHO PARA A PAZ E O EQUILÍBRIO

Como sociedade, é urgente que abandonemos essa lógica de correção rápida e busquemos um caminho que valorize a profundidade e a compreensão, tanto de nós mesmos quanto dos outros.

Para isso, teríamos que copiar sistemas que deram certo e não o capitalismo selvagem americano que faz crescer a massa dos descamisados e iletrados, perpetuando uma educação que não cria seres reflexivos e pensantes, mas robôs de linha de produção.

Afinal, uma sociedade só estará verdadeiramente saudável quando cada indivíduo puder encontrar, sem pressa e com o apoio necessário, o seu próprio caminho para a paz e o equilíbrio.

E o remédio que temos hoje é amargo, pois não combate a causa, mas nos coloca no sono profundo de comportamentos e substâncias como o Zolpidem, que nos fazem desligar do mundo e de nós mesmos.

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