02 de fevereiro | 2025
O desafio de educar na era das telas: entre a proibição e a omissão
A proibição do celular em sala de aula reacende o debate sobre o impacto da tecnologia na educação, mas ignora um problema maior: a delegação da formação moral e intelectual dos filhos à escola, enquanto pais e responsáveis se rendem ao mesmo vício digital que condenam.
José Antônio Arantes – Nos últimos anos, um fenômeno silencioso, mas devastador, tomou conta de nossas casas e escolas: a terceirização da educação familiar para o ensino formal. O advento das telas, em sua multiplicidade de formas – celulares, tablets, computadores e televisores –, consolidou-se não apenas como um meio de informação e entretenimento, mas também como um verdadeiro substituto da interação social e do papel educador dos pais.
A recente proibição do uso de celulares em sala de aula trouxe à tona um debate necessário, mas que se limita a tratar o efeito, sem atacar a verdadeira causa do problema.
O DESMAME DIGITAL:
UM PROBLEMA QUE COMEÇA EM CASA
A medida de banir celulares das salas de aula parte da premissa de que o excesso de telas compromete o aprendizado e a socialização dos alunos. De fato, como apontam diversos especialistas, a tecnologia, quando mal utilizada, contribui para a distração, reduz a capacidade de concentração e até interfere no desenvolvimento cognitivo.
No entanto, é preciso encarar uma realidade incômoda: de pouco adianta impor restrições dentro da escola se, em casa, os próprios pais oferecem os dispositivos como solução para acalmar os filhos ou como substituto de uma presença mais ativa na educação.
REFEIÇÃO COM TELAS
O problema não está apenas na criança ou no adolescente que não consegue desgrudar do celular, mas também nos pais que não têm coragem ou disposição para impor limites.
Em muitas famílias, a refeição em conjunto já não acontece sem a presença da TV ou dos celulares à mesa. O diálogo se perdeu, substituído por vídeos automáticos e mensagens instantâneas. O desmame digital não pode ser um problema apenas da escola – precisa começar em casa.
UMA SOCIEDADE DOMINADA
PELA RAPIDEZ
E PELA SUPERFICIALIDADE
Além do impacto direto na aprendizagem, a exposição excessiva às telas está modificando a forma como os indivíduos processam informações e interagem com o mundo.
Estudos sugerem que o uso abusivo da tecnologia pode estar relacionado a um encolhimento do córtex cerebral, a parte do cérebro responsável pelo pensamento crítico e pela tomada de decisões.
Não é coincidência que vivemos em uma sociedade cada vez mais impulsiva, onde as pessoas reagem com base na emoção, sem reflexão, sem aprofundamento, apenas aceitando verdades prontas, fabricadas para provocar respostas instantâneas.
VERDADES PRODUZIDAS
A era digital trouxe uma avalanche de informação, mas ironicamente tem produzido uma população menos reflexiva e mais suscetível a fake news.
O pensamento superficial se sobrepõe à análise aprofundada, e o raciocínio lógico dá lugar ao imediatismo das redes sociais. Com isso, temos gerações inteiras que não sabem mais separar o joio do trigo, que absorvem conteúdos sem questionamento e que perdem progressivamente a capacidade de argumentar de forma embasada.
ESCOLAS ULTRAPASSADAS
EM UM MUNDO ACELERADO
Enquanto a tecnologia evolui a passos largos, a escola ainda está presa a um modelo educacional ultrapassado, com uma estrutura que não acompanha as demandas do século XXI.
O método de ensino pouco mudou nos últimos 100 anos, enquanto a forma de aprendizado dos alunos foi profundamente transformada pela digitalização da informação.
PARADOXO DA REFLEXÃO EDUCACIONAL
O paradoxo é evidente: por um lado, a escola proíbe o celular para evitar distrações; por outro, ignora a necessidade de repensar sua própria metodologia para tornar o ensino mais dinâmico e compatível com essa nova realidade.
A solução, portanto, não está apenas em restringir, mas em reformular a abordagem pedagógica. Em vez de tratar o celular como um inimigo, a escola precisa aprender a utilizá-lo de forma produtiva, ensinando os alunos a filtrar informações e a utilizar a tecnologia como uma aliada do conhecimento, e não como uma ferramenta de alienação.
A VERDADEIRA EDUCAÇÃO COMEÇA NA FAMÍLIA
A grande falha na atual abordagem desse problema está em depositar sobre a escola a responsabilidade total pela formação dos jovens. A instituição de ensino tem um papel fundamental no desenvolvimento acadêmico e intelectual dos estudantes, mas a base moral, os valores e os hábitos são adquiridos dentro de casa.
O que temos visto é uma geração de pais que transferiu essa missão para a escola, esperando que professores resolvam problemas que deveriam ser enfrentados no núcleo familiar.
Crianças e adolescentes precisam de limites, e esses limites não podem ser impostos apenas pelo ambiente escolar. A tecnologia não é a vilã da história – o verdadeiro problema é a falta de orientação e de equilíbrio em seu uso.
A INQUIETANTE FALTA DE PERSPECTIVA
O que mais assusta em todo esse cenário não é apenas o impacto imediato da proibição dos celulares nas escolas, mas a ausência de uma solução de longo prazo.
Estamos formando uma sociedade cada vez mais dependente da tecnologia, ao mesmo tempo em que falhamos em ensinar o uso consciente dessas ferramentas.
REFÉNS DE ESTÍMULOS SUPERFICIAIS
O desafio não está apenas em impedir o uso indiscriminado do celular, mas em garantir que as novas gerações desenvolvam pensamento crítico, capacidade de reflexão e discernimento para não se tornarem reféns de uma era dominada por estímulos superficiais.
Se o ensino está atrasado um século e a tecnologia avança em uma velocidade 500 anos à frente, estamos condenados a ser uma sociedade permanentemente defasada?
IDIOTIZAÇÃO COLETIVA
A resposta não está apenas nas escolas ou nos professores, mas na família, na consciência de que educar não é apenas delegar, mas participar ativamente.
Se não encontrarmos um antídoto para essa crescente “idiotização coletiva”, estaremos cada vez mais à mercê de um futuro onde a inteligência artificial pense por nós, enquanto seguimos anestesiados pelas telas.
O que será de uma humanidade que abandona o pensamento para seguir apenas o fluxo da conveniência? Essa é a pergunta que devemos nos fazer – e responder antes que seja tarde demais.
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