16 de novembro | 2024

A venda de patrimônio público no final do mandato: uma análise crítica

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A alienação de bens públicos por prefeitos em fim de gestão levanta questões sobre legalidade, moralidade e os reais interesses por trás dessas ações.
Em 2012, o prefeito de Campinas, Pedro Serafim, tentou alienar áreas públicas nos últimos meses de sua gestão e foi barrado pela Justiça.

José Antônio Arantes – A recente decisão do prefeito de Olímpia de leiloar um terreno de 11 mil metros quadrados, avaliado em R$ 20 milhões, localizado dentro do estacionamento do Thermas dos Laranjais, a pouco mais de um mês do término de seu mandato, suscita reflexões profundas sobre a ética e a legalidade de tais atos administrativos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) estabelece, em seu artigo 42, que é vedado ao titular de Poder ou órgão contrair, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa.

Embora essa disposição se refira diretamente à assunção de despesas, ela revela a preocupação do legislador em evitar que gestores em final de mandato comprometam as finanças públicas de forma irresponsável.

No que tange à alienação de bens públicos, não há uma vedação expressa na legislação federal que impeça tais operações no final do mandato. Contudo, é imperativo que essas alienações observem os princípios constitucionais da administração pública, especialmente os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme o artigo 37 da Constituição Federal.

A MORALIDADE E
A OPORTUNIDADE DAS ALIENAÇÕES

A moralidade administrativa transcende a mera legalidade dos atos. Um ato pode ser legal, mas não necessariamente moral. A alienação de um bem público de alto valor, como o terreno em questão, no final de um mandato, pode ser vista como uma ação que carece de transparência e planejamento adequado.

A proximidade do término da gestão levanta suspeitas sobre os reais motivos da venda e se esta atende ao interesse público ou a interesses particulares.

Além disso, a falta de participação da sociedade e de debates amplos sobre a necessidade e a oportunidade da alienação reforça a percepção de que tais atos podem não estar alinhados com os princípios da administração pública.

A ausência de transparência e de justificativas claras para a venda de um patrimônio público valioso pode comprometer a confiança da população na gestão municipal.

CASOS ANÁLOGOS
E SUAS REPERCUSSÕES

Em 2016, o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, sancionou uma lei que autorizava a venda de diversos imóveis públicos. A medida foi alvo de críticas, especialmente por ter sido implementada no final de seu mandato. Embora legal, a ação foi questionada quanto à sua moralidade e à real necessidade das alienações naquele momento específico.

Outro exemplo ocorreu em 2012, quando o prefeito de Campinas, Pedro Serafim, tentou alienar áreas públicas nos últimos meses de sua gestão. A iniciativa foi barrada pela Justiça, que entendeu que a venda de patrimônio público no final do mandato, sem justificativa plausível e sem ampla discussão com a sociedade, feria os princípios da moralidade e da impessoalidade.

A IMPORTÂNCIA DA TRANSPARÊNCIA
E DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

A alienação de bens públicos deve ser precedida de estudos técnicos que comprovem a sua necessidade e conveniência para o interesse público. Além disso, é fundamental que haja ampla divulgação e debate com a sociedade sobre as razões da venda, o destino dos recursos arrecadados e os benefícios esperados para a coletividade.

A participação popular e o controle social são essenciais para legitimar atos de gestão que envolvam o patrimônio público. A falta de transparência e de diálogo com a comunidade pode resultar em desconfiança e em questionamentos sobre a probidade dos gestores.

RECOMENDAÇÕES PARA
GESTORES EM FINAL DE MANDATO

Gestores públicos em final de mandato devem agir com cautela e responsabilidade, evitando a prática de atos que possam comprometer as finanças públicas ou que sejam percebidos como favorecimento a interesses particulares.

É recomendável que decisões de grande impacto, como a alienação de bens públicos de alto valor, sejam deixadas para a próxima gestão, que terá tempo e legitimidade para conduzir o processo de forma transparente e participativa.

Além disso, é importante que os gestores observem as recomendações dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, que frequentemente alertam para os riscos de atos administrativos realizados no final do mandato sem o devido planejamento e sem a observância dos princípios constitucionais.

A venda de patrimônio público no final de um mandato, embora não expressamente proibida por lei, levanta sérias questões sobre sua moralidade e oportunidade. 

E a grande pergunta que fica é uma só: A quem interessa o leilão de uma área de 11 mil m², por R$ 20 milhões, dentro do estacionamento do Thermas?

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