18 de janeiro | 2015

Casa no Campo

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Ivo de Souza

Eduardo Giannetti cita o “mágico” Machado de Assis para analisar a economia brasileira, enfim, para falar da condição humana, digamos assim. E coloca a questão: desfrutar o momento ou cuidar do amanhã? Viver o agora ou poupar para o amanhã? Evidentemente, não podemos combinar a vocação da riqueza com a vocação para o ócio (há o ócio criativo de Do­mênico di Masi…). Se quisermos ser ricos, no futuro, precisamos trabalhar no presente. Ou não? Caso não agirmos assim, estaremos encalacrados em dívidas para o resto de nossas vidas. E teremos de lidar com os problemas (“percalços”) intermináveis que os devedores enfrentam. No mínimo, um cobrador, à porta, todos os dias.

Giannetti diz que o resultado dessa “inconsistência” brasileira, se não é a inflação, tem sido outra constante: “juros cronicamente elevados”, duas variáveis indesejadas em qualquer sociedade.

Tomar um conto do mestre, escrito há tantos anos, só confere grandeza à arte literária do sr. Machado de Assis, fina flor de nossa literatura (da boa literatura de ficção, ou seja, da literatura de criação, que é arte).

O brasileiro não teria vocação para poupar (a maioria, é verdade, não tem o que poupar). Diz Giannetti que, por razões históricas e culturais, a nossa poupança nunca foi lá a oitava maravilha (“sempre pequena diante de nossa ânsia de crescimento”): vem, domesticamente, ficando cada vez menor (“encolheu, nos últimos anos”).

Chile, Colômbia, Índia e China investem mais (a Índia e a China muito mais do que nós) em poupança que os brasileiros. A poupança tupiniquim interna está na casa dos 13% do PIB; a da China, 40% (tomadas as devidas proporções, é claro).

Na verdade, o povo brasileiro, em geral, não poupa porque não tem como poupar. E os rendimentos dessa capitalização são tão irrisórios que o brasileiro prefere “gastar” a “poupar”. Deposite R$ 1.000 na tradicional conta poupança por 90 dias. Experiente pedir (empréstimo) ao seu gerente de conta os mesmos mil reais. Confira o quanto esse dinheiro rendeu nos mesmos 3 meses (não sigam esse conselho, senhores!).

Voltemos às palavras do mestre, que, em um conto, dá liçãos básica, elementar de economia, serve-se de sua melhor literatura para dar de forma simples (sem nenhum economês) lição primária de economia, que foi apreendida pelo economista (decisivamente, não se lê Machado impunemente). Aqui há que se destacar o grande retratista de tipos psicológicos e do tempo psicológico da narrativa (o tempo da memória). Inovou na forma de narrar, de contar uma história. Dono de recursos narrativos inusitados para a época, o que importa em Machado não é o que se conta, mas como se conta. Aqui está a chave que abre as portas de sua grande literatura, que está no mesmo nível da de Gabriel Garcia Marques, Jorge Borges, Saramago, Eça de Queiroz.

Já houve uma movimento literário (Arcadismo) que tinha como pressuposto básico o “aproveitar o dia” (Carpe diem) e a voltar para a vida no campo, vivida junto à natureza, sem preocupações com o futuro que adviria, mesmo porque a vida que se esperava seria, fugaz, passageira, efêmera. Para que poupar? É preciso, então, reagir: fugir da cidade (fugere urbem) e viver uma vida pura e simples no campo, sem os enganos e as ilusões da vida mundana (“da cidade”), junto às ovelhas, às cabras, desfrutando dos bens naturais (“eu quero colher com a mão a pimenta e o sal”), sem as inutilidades da vida (inutilia truncat).

Quanto a “O Empréstimo”, “o apelo do presente e o futuro sonhado” são, para Giannetti traços inalienáveis da condição humana. Nesse embate, o apelo do agora vence o futuro sonhado.

Somos imediatistas, não temos dinheiro para poupar ou ainda não aprendemos a fazê-lo? Deixamos de criar o nosso mais adiante. Segundo o economista, estamos penhorando o nosso futuro, ao agirmos dessa forma.

É grave, gravíssima a cons­tatação de Giannetti, via Machado de Assis.

 

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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