28 de dezembro | 2014

Arrastando correntes no fundo dos oceanos

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Willian Antonio Zanolli

Após arrastar correntes no fundo dos oceanos como um doido que quer a visão das praias e dos dias ensolarados, chegamos ao porto no qual ancorará algumas ilusões nada desprezíveis para quem crê que atravessará o Cabo da Boa Esperança e voltará transformado em búzios.

Sim, estamos ai, botando fé nas coisas que foram nas que serão e naquelas que as noites sonhadoras encosta ao pé da nossa cama como se realidade fora.

Muitos natais já se passaram desde o dia em que abri a boca a chorar quando vi pela primeira vez este mundão perdido de amores e ódios.

Parece que inconscientemente sabia que se comporiam os dias de comédias e tragédias fenomenais, de alegrias que se repetem, tristezas que se ampliam, chegadas, despedidas, prantos, risos, dias, noites, luares, sóis, coisas mil que conduzem à compreensão de que a vida é feita de caminhos e descaminhos que trazem e que levam passageiros e agonias.

E assim se repetem festas e velórios, “miudagens”, gran­­­dezas e o relógio marcando as horas, o calendário, os dias, se­manas, meses, a­nos, e ali, natal, ano novo, carnaval, pás­coa, aniversário, feriados, dias que as am­pulhetas devoram com vontade, como se saboreasse a essência de cada um de nós, e neste pacote se inclui este que esgota sua passagem por aqui e atesta isto a cada natal que é deixado na saudade.

E para não ser óbvio, nem se incorporar ao senso comum, não abre a mesma boca que chorou no dia em que nasceu, para dizer que tudo parece que foi ontem, que ainda traz nos dentes fiapos de frango caipira que comeu no natal passado, e o sabor do sorvete de papaia que sorvia com quem já não aspira o perfume de flores por aqui.

Batemos bem de frente com a vida, fomos esmurrados jogados na lona, perdemos por nocaute técnico, levamos a lona, e estamos aqui no ringue esperando soar o gongo, sangrando, ora magoado ora feliz, ora ausente, ora fora de si, ora nem tô nem ai.

Quanto saia, quanto fica, quanto vai, quanto por que não está aqui, que já colhemos neste jardim de flores lindas e de muitas pragas que é viver em sociedade, quanta gente e quantos que nem tanto assim, e outros de que nem escrúpulos se podia exigir, que beleza que é viver, bem me­lhor que se entregar.

Cultivamos e colhemos alguma coisa, se houve ou não mercado para as nossas colheitas de utópicos sonhadores pouco importa, importa que valeu a pena sonhar, as sementes estão ai para quem pretender semear.

Não estou me despedindo não, mas como não mandei no dia que vim, não vou mandar no dia que irei, já sentado na poltrona ao lado da janelinha deste trem bom que foi viver, olho que tantos já acenam do outro lado que concluo que não haverá tantos perus e tantas nozes entre nós.

Portanto meu amigo, minha amiga, ao ler este texto, pode até ser que você tenha a sensação de alguém desanimado, que olha o natal co­mo algo que o aproxima do binóculo de Jesus, de alguém que está sendo focado vagarosamente, cujo nome na caderneta tem poucos dias para ser riscado com o x que significa um a menos na contagem.

Nada disto, estamos firmes como lesma e sólidos como areia da praia, inamovíveis.

É que neste período bate u­ma saudade de tanta gente que foi embora e mesmo da gente que tem se olhado tão pouco e se preocupado quase nada com o tempo que falta para cumprir a missão que se cuida em refletir sobre a memória e sobre a construção do futuro.

É natal mais uma vez, que todos tentem se conscien­tizar que da vida não se leva nada, a não ser isto que este texto tenta com dificuldade expor, as coisas que se viveu, as histórias emotivas, as pessoas, as belezas, as angústias, o viver.

É por isto que amo demais ter estado aqui com quem estive e se minha experiência pode servir para alguma coisa posso dizer que valeu a pena este compromisso com o des­compromisso de viver tantos natais, alguns minguados e outros fartos de histórias, que é a única coisa que levaremos na bagagem quando formos para o andar de cima, ou virarmos esterco de gramas, onze horas, ou pés de jaca terão.

Feliz Natal, aproveitem para nascer ou renascer neste período, enquanto estão vivos.

 

Willian A. Zanolli é artista plástico, jornalista e estudante de Direito e oferece o artigo de hoje as memórias de Fortunato Zanol­li, Maria da Silva, Celso Silva Zanolli, Anto­nia dos Anjos Silva, Deus­de­dith Se­na Silva, Arlindo D. Magalhães, Rute Magalhães, Benedito José Pereira (Min­dú.), D. Maria de Souza Pereira, D. Arlinda Antonia da Silva, Joel P. Gallindo, Antonio Carlos Machado (Par­dal), Luiz dos Santos (Jacaré), Odete Cunha, Lalá Singh, Yone Gomes Belchi­or, Paulo Ol­me­do, Fábio Olmedo, Benedito Germa­no, Décio Lu­iz Edu­ar­do Pereira, (De­cinho) Pa­ulo Cas­si­lhas, Mar­cial Ramos e tan­tos o­utros.

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