20 de fevereiro | 2017

Abandonando a farsa da Educação Pública

Compartilhe:

“Enquanto não sabia o que tinha que ser feito, navegava em água turvas. Achava que podia chegar a um porto seguro. Iria conduzir a nau e tirá-la das tempestades. Mas quando o diagnóstico surgiu em minha mente, percebi que era apenas aquele que limpava o convés. Jamais conseguiria pegar o timão para seguir por águas seguras”. José Salamargo.

PEDINDO …

… licença aos meus nobres e rarefeitos poucos leitores, a­pós o desabafo da última coluna, na edição do sábado passado, onde o que escrevi mais parecia sessão de terapia de grupo, em que o sujeito se abre e conta toda a sua vida, desta vez, com mais serenidade e menos emoção e já tendo abandonado as lides do ensino público estadual, vamos tentar entender o porque da “educação” no Brasil ter se transformado em uma verdadeira farsa e que não vai ser resolvida com soluções de gabinete como as que foram aprovadas e promulgadas pelo presidente temeroso na semana que passou.

SÓ PRA …

… não fugir totalmente do próprio umbigo, após cinco anos na sala de aula tentando entender o que estava ocorrendo e, após enxergar que existem saídas até certo ponto simples, que são do conhecimento pelo menos dos integrantes da área do ensino que tive o prazer de ouvir, meus mestres Heloisa e Nelsinho (claro, que, cada um com suas teorias), não tive condições de, após ter elaborado um diagnóstico, continuar fingindo que poderia fazer a diferença na sala de aula.

CLARO, …

… sempre soube que era u­ma gotinha de água numa pequena enxurrada de seres que se preocupam com o amanhã e que conseguia, mesmo que de forma quase minúscula, provocar pequenos choques de realidade naquela grande massa de seres em formação que eram amontoados em pequenas celas dos presídios escolares.

INCLUSIVE, …

… vivi, na última quarta-feira, um dos momentos mais emocionantes da minha vida, quando me despedi de meus alunos, colocando pra cada um deles os motivos que me levaram a deixá-los nesta caminhada humilhante da farsa da educação brasileira.

MUITOS …

… não se conformavam com tal decisão. Mas em cada uma das salas foram gastos os quase 50 minutos com as devidas explicações. A última aula foi um balanço geral sobre a visão deste “filhósofo” sobre a realidade do estimular e do transformar informação em conhecimento … 

PRIMEIRO, …

… vamos às causas que levaram o ensino à situação calamitosa em que se encontra.

A MAIOR …

… ou a principal delas é estrutural. Não há interesse do sistema como um todo, que é baseado na chamada linha de produção, ou produção em série, de criar seres pensantes, formar cidadãos, o neolibera­lismo quer é mera mão de obra barata, robôs programados pa­ra cumprir rotinas e que podem ser reprogra­mados e ada­ptados às novas tecnologias.

É COMO …

… se quisesse criar computadores de carne e osso, dóceis e burros, como as máquinas (por enquanto – pois a inteligência artificial já é realidade), para servirem à produção de bens de consumo que estas mesmas máquinas têm que consumir criando um Deus Mercado que impõe gostos, modas, determina o que é felicidade e influencia até no relacionamento das pessoas que está cada vez mais distante, sem empatia, sem contato, sem carinho, sem amor… solidão pura.

TENDO COMO …

… principal aliado a tecnolo­gia, o tal do sistema provoca uma verdadeira revolução silenciosa, sem sangue, mas impondo a ditadura escravizante do chamado consumismo. São falsas necessidades que nos são impostas goela abaixo e pelas quais passamos a viver para ter. Ora, o conhecimento não é ter é ser, eis a questão.

ESTA MESMA …

… questão estrutural, o sistema de modo geral, também estimula o crescimento desta grande massa de iletrados, de computadores de carne e osso, para manterem de pé uma situação que se repete desde há milhares de anos.

APENAS …

… 15% (são estimativas e não dados científicos) de nossos mais de 200 milhões de habitantes conseguem ler e interpretar um texto, segundo a Unesco. Ou seja, 85% de nossa população vivem achando que viver é trabalhar que nem escravo durante toda a semana e “viver bem” os finais de semana, pois o dia do terror, a segunda-feira, tem que ser esquecida, pois marca a volta de mais um período de tortura.

ORA, …

… senhoras e senhores, brasileiros e brasileiras, os 85% da população foram programados com um Windows antigo, cheio de falhas e sem atualização. Aprenderam a falar e a escrever, sem conseguir entender o que ouvem e o que está escrito; não conseguem, portanto, refletir e enxergar além daquilo que é imposto.

EM CIMA …

… de um sistema operacional mal instalado (a língua portuguesa), tentam adicionar programas (biologia, física, química, história, geografia, sociologia, filosofia, arte, etc) que não podem ser entendidos por algo (linguagem) mal implantado.

SÓ PARA …

… ilustrar melhor, antes da revolução industrial, lá pela me­tade do século 19 e, principalmente, após a implantação da produção em série e a linha de montagem, todos eram ar­te­sãos. A costureira, o sapateiro, o marceneiro, produziam verdadeiras obras de arte. E­xerciam a sua arte. Eram autores da sua produção. Com o surgimento da produção em série, passaram a ser meras máquinas de corte e costura programadas para fazer algo repetitivo e que aprendem também por repetição, pela prática e não por entenderem, por enxergarem os porquês de se estar fazendo aquilo.

DEIXARAM DE …

… ser os autores e passaram a vender seu tempo para ser parte de uma coisa que não tiveram que criar, algo sem vida, sem características próprias, sem arte. Passaram literalmente a ser meras máquinas desu­manizadas e programadas pa­ra aceitar e para serem o que são.

MATARAM …

… a arte que existe dentro de todo o ser humano. Racionalmente, ao implantar a tal da produção em série, criaram um novo tipo de escravo, o trabalhador, o operário, a máquina que passa a maior parte de sua vida fazendo esforço repetitivo e aprendendo por repetição, por reflexo condicionado, adestramento à vida.

VOCÊ, …

… caro leitor, pode estar pensando que a tese é socialista, comunista, ou o escambau. Mas, tenha certeza, é mera cons­tatação empírica e teori­za­da nestes últimos cinco anos de contato direto e diário com mais de 300 alunos praticamente todos os dias.

CLARO, …

… também tem muita leitura, muita busca pelo conhecimento, mas a tese é fruto da reflexão direta em sala de aula, onde, segundo Nietzs­che, este ser que tenta lucubrar com vocês quase todos os sábados se sente o super homem.

ESTA SITUAÇÃO …

… gerada pelo sistema que promete inclusão, igualdade, principalmente de oportunidades, mas o que provoca é a discriminação nua e crua, com cer­­teza é hoje o principal problema.

AS ESCOLAS RECEBEM …

… a cada ano, alunos mais díspares em termos de nível de conhecimento. De totalmente analfabetos a alfabetizados funcionais, mas, mantendo, claro um percentual não superior a 15% de jovens comprometidos com o conhecer, com noções boas de linguagem.

COINCIDENTEMENTE …

… ou não, 99% destes que estão aptos a estarem nas séries em que estão, pertencem às classes sociais melhor posicio­na­das. Mesmo que de classes C e D, geralmente outro fator que influencia é a família. Quan­do os pais têm tempo pa­ra os filhos ou estão comprometidos com o seu crescimento saudável, também a situação é diferente.

COM ESTE …

… pequeno percentual de jovens comprometidos com o desenvolvimento de seu conhecimento dá para cumprir o binômio estimular e adquirir conhecimento? Ou como no passado, estudar e aprender? Com certeza!

OS RESULTADOS …

… acabam sendo satisfató­rios. Mas mesmo entre os que querem aprender a mudança de paradigma tem que acontecer. E este “filhósofo” entende que qualquer coisa pode ser feita, desde que se extingam os presídios escolares e se criem locais de aprendizado. E aí pode até ser que o tal do cardápio proposto pelo governo temeroso, com dezenas de mudanças, possa ser utilizado.

MAS A GRANDE …

… mudança tem que se dar no papel do próprio professor que não pode mais ser o dono da verdade, que passa o seu conhecimento para uma plate­ia inerte e em situação de submissão total, como se fossem soldados.

O PROFESSOR …

… tem que ser tutor do conhecimento. Estimular o debate que leva a reflexão e esta produz o conhecimento. Tem que mostrar o caminho, caminhar junto, mas não impor suas próprias verdades; estimular que o aluno descubra e construa a sua própria verdade. Somos únicos. Cada um é cada um. E não existe como fazer produção em série.

MAS, PARA …

… começar uma revolução em busca da produção do conhecimento, seria necessária a mudança da avaliação e o tratamento diferenciado para levar à verdadeira inclusão. De nada adianta colocar um analfabeto entre os letrados. Ele vai se sentir inferiorizado, discriminado, não vai nem entender o que está acontecendo na classe e vai acabar agredindo outros alunos e professores.

TAMBÉM …

… não adianta o Estado fazer avaliações em provas de “xizinhos” (objetiva) e, depois detectar que a maioria dos alunos da série tal que nem leram as questões e chutaram tudo têm dificuldades, por exemplo, em diferenciar gêneros textuais. Dá vontade de rir para não chorar. A maioria, nem sabe que existe este tipo de classificação.

AÍ, OBRIGA …

… os professores a ensinarem os alunos o que é gênero textual, como se todos soubessem o que significa pelo menos a palavra gênero. É absurdamente absurdo.

O CAMINHO,  …

… pelo menos está certo. É este mesmo. Este ex-professor do ensino público entende que é preciso apurar as deficiências de cada aluno e ajudá-los (e aí pode até se ampliar o horário de estudo daqueles que necessitam) para que estes, aprendendo o que ainda não conseguiram, se integrarem aos que estão em níveis mais elevados.

OU SEJA, …

… a solução já tinha sido propagada por Rui Barbosa há ma­­is de 100 anos, quando este de­fendia, mais ou menos isso: “a igualdade está em se tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade”.

CONFUNDIU …

… a sua cabeça. Confesso que também tive que “chupar” o cérebro para entender no início. Mas a situação não é tão complicada como parece. Se existem informações oficiais que estamos criando uma geração de analfabetos, em primeiro lugar é preciso alfabetizar, não importa qual a série, a escola, ou o grupo em que o aluno está.

EM QUALQUER …

… série, se for feito um planejamento sério, uma avaliação também séria, em que se leve em consideração o estágio de cada um, é possível a qualquer escola, mesmo no sistema de presídio de produção em série que vivemos hoje, começar a integrar para incluir, e não fingir que ensina e deixar que alunos analfabetos concluam o ensino médio sem ter as noções básicas necessárias para ser um cidadão.

DE QUE ADIANTA, …

… ensinar física, matemática, biologia e até filosofia para quem não consegue sequer entender o que se está falando. É preciso parar de discriminar e fingir que está incluindo, despejando os desiguais em salas superlotadas com um ser humano tendo que se esgoelar para achar que está fazendo jus ao seu mísero salário e, ao depois, ter que viver na base do Rivotril.

PARA INCLUIR …

… é preciso integrar. A verdadeira inclusão está em tratar os desiguais naquilo que eles estão necessitando para levá-los a patamares elementares necessários à sua grande caminhada na busca pelo conhecimento.

TODOS …

… podem ser integrados. Todos podem ser iguais pelo menos em termos de estágio de conhecimento. Mas será que o que se quer é a igualdade ou a manutenção de uma situação que vige desde milhares de anos atrás. Escravo é escravo e senhor é senhor.

COMO ISSO …

… não está acontecendo e dificilmente irá acontecer nos próximos anos, este “filhósofo”, o filho da Sofia, não conseguia mais dormir sabendo que teria que engolir goela abaixo, que a maioria dos seus alunos iria concluir o ensino médio sem ter noções básicas nem de sua própria linguagem. Não dava para continuar contribuindo, após ter o diagnóstico, com a atual Farsa da Educação Pública.

 

José Salamargo – quase entendendo que seria melhor não ter passado cinco anos estudando, experimentando, tentando pensar, refletir e elaborar teses que pudessem levar a teorias sólidas que me levassem a entender, a enxergar o que estava acontecendo com a maioria da nossa juventude, os mais de 80% de alfabetizados funcionais, os robo­zinhos, que não conseguem ler e interpretar um texto e, portanto, não têm condições de fazer nada para o qual tenham que refletir, de fugir da rotina de uma programação de computador apreendida pela repetição, pelo reflexo condicionado e são despejados pela escola pública no mercado de trabalho ou nas faculdades pagas, criando uma geração de copis­tas, especializados em utilizar os comandos control C e con­trol V, ao invés de criar, de serem os artífices de sua própria produção. São meras peças de reposição de uma indústria de produção em série que precisa ter escravos robotiza­dos para garantir a vida dos que tiveram a oportunidade de aprender a enxergar. Será que não teria sido melhor ter passado estes cinco anos sentado à beira da piscina tomando chope gelado, ouvindo piadas, assistindo jogos de futebol, ou simplesmente gaze­teando para ver o tempo passar? Claro que não! O mundo precisa ser refletido e a jornada apenas está começando …

 

Compartilhe:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do iFolha; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Você deve se logar no site para enviar um comentário. Clique aqui e faça o login!

Ainda não tem nenhum comentário para esse post. Seja o primeiro a comentar!

Mais lidas