13 de maio | 2012

A função materna e o dia das mães

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Euder Q. de Oliveira Júnior
A maternidade é um tema de interesse constante dos estudiosos e é considerado por eles um período de vivência marcante para a mãe e importante para a sobrevivência do filho. Há um significativo reconhecimento social da relevância da maternidade.  No entanto, nem sempre foi assim, pois de acordo com pesquisadores, o conceito de maternidade, o papel evolutivo do ser mãe e ser mulher na sociedade é valorizado e caracterizado de forma distinta de acordo com os fatores culturais, econômicos e ideológicos de um determinado período histórico.

Assim, houve um período em que a maternidade era considerada uma prática desvalorizada (Badinter, 1985) no qual estavam ausentes os componentes do interesse e amor materno e que a criança era tratada como adulto. A convivência com os pais, de acordo com o historiador Philip Ariés (1981), se limitava até por volta dos 10 anos e toda sua educação era exercida por outras famílias as quais eram entregues. O aprendizado se dava através das realizações das tarefas domésticas, na condição de aprendizes. Após receberem as instruções e cuidados necessários eram inseridos nas atividades produtivas e sociais dos adultos, e como tais, eram tratados.

As crianças não eram foco de atenção e preocupação das mães até o século XVII visto que, de acordo com psicanalista Maria Rita Khel (1997), algumas, no caso as mais pobres, se ocupavam com o trabalho longe de casa enquanto que as mais abastadas se viam atraídas pela agitação da vida cotidiana, pelos ideais de esclarecimento e de emancipação oriundos do Iluminismo. A maternidade não era um valor supremo e os filhos eram considerados um obstáculo á liberdade, saúde e beleza da mulher. Ademais, as suas condições físicas fragilizadas os impedia de viver por muito tempo (Ariés, 1989), sendo elevada a taxa de mortalidade infantil, 25% dos nascidos vivos (Badinter, 1985 apud Khel, 1997) justificando ainda mais o desinteresse materno.

No entanto, a partir do último terço desse século, e especialmente no início do século XIX, em decorrência das transformações políticas e econômicas em curso e com o surgimento de novas concepções sobre a família e a criança, a maternidade foi sendo gradativamente valorizada (MOURA; ARAÚJO, 2004). A ascensão social da burguesia, no plano econômico, concomitante ao discurso filosófico do liberalismo na esfera política, favoreceu o cuidado com as crianças, incentivando a mulher a assumir diretamente o cuidado com a sua prole. Era importante, então, a sobrevivência delas, em razão das novas preocupações demográficas e para atender os ideais iluministas de igualdade, liberdade e felicidade individual.

A devoção, o sacrifício, o cuidado e a atenção constantes da mulher no contato com a sua prole foram definidos, pelo discurso científico, como atributos do papel materno, indispensáveis para a sobrevivência das crianças. A maternidade passa a ser considerada pela ciência médica como função inerente e exclusiva da mulher em razão de sua natureza biológica feminina. Ganha em importância, nesse momento, o “amor materno” para com os filhos e é nessa atividade de maternar que a mulher vai adquirindo relevância perante a sociedade.

A maternidade também foi objeto de estudo pela psicanálise desde a sua origem. Ela toma uma posição diferente das concepções sobre a maternidade do século XIX que exaltavam a pureza do amor materno e o colocavam como componente que estaria sempre presente na mãe em seu cuidado com o bebê. Freud defende a tese de que a mulher não nasce pronta para ser mãe, conforme enunciavam os discursos vigentes, pois para ele a maternidade só é conquistada a partir de inter-relações subjetivas. Hilferding (1911), uma das primeiras psicanalistas mulheres e discípula de Freud, irá retirar o amor materno da esfera da pureza e do instintual para defender a idéia de que o amor da mãe pelo filho não se dá baseado nos laços de sangue, mas precisa ser construído na relação entre eles e dependerá mais de fatores psicológicos do que fisiológicos.

Freud, desde o início de sua obra, salientou a importância dos cuidados maternos para a constituição subjetiva do indivíduo. Ele enfatiza a relevância da mãe para a sobrevivência da criança, ao afirmar que o bebê nasce totalmente dependente dos cuidados de sua progenitora. Afirma ainda que além de proporcionar a sobrevivência, oferecendo nutrição e cuidado ao seu filho, a experiência da maternidade representa para ele a sua primeira e mais importante relação, visto que é a partir desta que sua vida psíquica e emocional será constituída.

Outros psicanalistas, posteriores a Freud, também se ativeram a esse tema. Seguindo a mesma linha de pensamento, definiram a maternidade como uma função, denominada de função materna. Esta, de acordo com Lacan(19, não se restringe ao sentido biológico e social, pois se trata de um processo de construção, fundamentalmente efeito de uma operação psíquica a ser exercida por um adulto, seja este homem ou mulher, que tome o bebê como objeto de desejo em relação ao qual seja capaz de promover-lhe os cuidados físicos e afetivos. A função materna serve para cuidar e nomear as experiências vivenciadas pelo bebê, o qual não possui ainda capacidade para significar o que se passa dentro e fora dele. Assim, permite que o filho saia da esfera do biológico para adentrar na da linguagem, transformando a cria num humano.

Observa-se, no entanto, que as mulheres estão se distanciando do exercício da função materna. A partir da década de 50 elas foram acumulando conquistas sociais e avançando em áreas de domínio até então ocupada pelos homens. A entrada da mulher no mercado de trabalho, o advento do feminismo, o surgimento de novas técnicas contraceptivas, a legalização do aborto e as modificações ocorridas na família nuclear burguesa permitiram ampliar as possibilidades de realização pessoal da mulher para além da maternidade. Em contrapartida, a busca por novos ideais, o avanço da mulher rumo à vida profissional e as exigências do mundo contemporâneo resultaram-lhe num maior afastamento do lar, do contato mais freqüente com os filhos e maridos e, conseqüentemente, do exercício da função materna.

A “falência” dessa função acarreta inúmeras conseqüências para o bebê. Preocupado com suas demandas, algumas mulheres deixam de atender e interpretar corretamente as do filho e apresentam dificuldade em significar as experiências biológicas deste e transpô-las para o campo do psíquico. Enfim, contribuí de certa forma, para o surgimento de um quadro de sintomatologia e patologias decorrentes da falta da capacidade simbólica, como as somatizações, por exemplo, no qual o sujeito, empobrecido simbolicamente, não consegue colocar em palavras os afetos decorrentes de conflitos emocionais, que, assim, se expressam em algum órgão do corpo.

É necessário deixar claro que sou a favor dos avanços e das conquistas sociais e políticas das mulheres, no entanto, faz-se relevante, diante desse contexto e do dia das mães que logo se aproxima repensar sobre a importância de se voltar a valorizar a função materna e de permitir que as mulheres sejam autorizadas a exercê-la sem que para isso tenham perdas sociais, profissionais e pessoais.  Como já fora mencionado, sem o exercício correto dessa função, não sobreviveríamos e nos tornaríamos sujeitos. Despeço-me desejando um ótimo dia das mães e oferecendo um grande abraço a todas e em especial, a minha, pois sem ela, não estaria hoje escrevendo esse texto.

Euder Quintino de Oliveira Júnior é psicólogo, pós graduado em Teoria da Psicanálise. Especializando em psicanálise no CEDES – São Paulo.

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