01 de dezembro | 2014

A cor de nossa pele

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Ivo de Souza

Como pode alguém, em sã consciência, no pleno uso de suas faculdades mentais, considerar um semelhante inferior apenas por conta da cor de sua pele?

Sabemos todos das questões culturais, sociais e econômicas (aqui nem quero falar de moral e ética) em que vicejou (e viceja) o preconceito contra os negros (no Brasil, o negro foi escravizado por mais de 400 anos…).

Sabemos, ainda, que todos somos iguais perante a lei (uns, na verdade, são mais iguais que os outros) dos homens e, principalmente, perante a lei de Deus – se quisermos abordar, aqui, um conceito cristão (certamente há os que não creem em Deus. E não pode haver nenhum preconceito contra eles).

O País tem, sem dúvida alguma, sem nenhum questionamento, uma grande dívida com os negros brasileiros, a despeito das leis do Ventre Livre, dos Sexagenários e da Lei Áurea. Como resgatar essa dívida? Que é de dor, sofrimento e sangue?

Surgem, então, políticas públicas pró-ativas de proteção ao negro; para mim, uma forma de tutelá-lo. O negro não precisa dessa comiseração, dessa misericórdia, que gera votos e elege os mesmos políticos de sempre, cujas políticas sociais não são voltadas para o negro. A não ser as que dão voto.

O negro, como o branco e o vermelho (o índio), precisa de educação (desde o momento em que a criança põe os pezinhos na escola) de qualidade, de escolas preparadas para recebê-los dignamente.

Precisam de professores altamente capacitados, novos métodos e novas metodologias (nem sempre o essencial é a tecnologia, às vezes, uma questão de puro modismo), uma educação voltada para a ciência, o bem-falar e bem-escrever, voltada para o esporte e para a arte em geral (música, dança, teatro, pintura…). A escola sem Arte é uma escola morta!

O aluno necessita ter o senso crítico despertado e estimulado, por meio de textos (bons textos), de palestras, de debates e discussão em torno dos temas brasileiros. Principalmente dos polêmicos.

Todas as escolas precisam valorizar a verdadeira história dos negros em nossa sociedade. E a história (verdadeira) dos índios. O verdadeiro extermínio que sofreram os primeiros habitantes das terras de Santa Cruz. Se eram 5 milhões à época do descobrimento, onde é que estão hoje? A população deveria ter, no mínimo, triplicado. Todos os brasileiros precisam saber o que verdadeiramente aconteceu com essa fantástica cultura.

Só a Educação pode mudar a cara do país, em termos de igualdade, e tolerância, e respeito (de verdade, e não de fachada!) à diversidade cultural, ao diferente, ao outro.

Não é a cor de nossa pele que nos faz melhores ou piores seres humanos. Pensar assim é de uma imbecilidade sem limites. Ignorância das mais profundas, daquelas que se enraízam na alma dessas pessoas e não saem nunca mais. O preconceito, todos sabemos, tem causas muito mais profundas, (essas “razões” é que devem ser estudadas, discutidas, debatidas).

O preconceito, já disse aqui nessa coluna, é aprendido. Ninguém nasce racista, assim como ninguém nasce corintiano, santista… Há uma aprendizagem negativa, muitas vezes, realizada dentro da própria casa. Mas se seu filho tem a chamada educação de berço, em que lhe são ensinados os verdadeiros valores humanos, essa criança não será racista em hipótese alguma. Essa é a educação que tem os pais como responsáveis. E a escola também. Por que não? A educação que forja o caráter e fortalece a personalidade.

Precisamos, com urgência, de uma Educação para a Paz, pois é obrigação também da sociedade educar as nossas crianças (sabiam?).

Agora, eu lhes pergunto: Como é que uma sociedade doentia, fútil e vazia, consumista do supérfluo (que só quer ter), estressada e confusa pode educar alguém (felizmente há belíssimas exceções)?

O preconceito, é duro dizer isso, mas é preciso dizer, não vai acabar nunca. Podemos avançar positivamente nessa questão (já seria um belo progresso). Hoje, na sociedade do “quem tem mais vale mais”, há preconceito contra os gordos, contra os que não foram aqui­nhoados por um belo rosto, um belo corpo (aqui não há muitos problemas, as plásticas, as lipos, as esculturas corporais estão ai, basta ter um dinheirinho sobrando), contra os pobres, contra os que moram nas periferias e nas favelas, contra as mulheres e outros preconceitos mais, tão burros quanto os já citados.

Escolas! Educação de qualidade. Para todos! Para negros, brancos, vermelhos e amarelos. É obrigação, reiterando,  do Estado, segundo a nossa Carta Magna.

A educação aumenta a auto­estima, faz brilhar os olhos do mestre e do aluno, “produz” crianças e jovens criativos, descobre atletas, artistas e conscientiza (de verdade!) para a cidadania (que não pode ser apenas uma palavrinha da moda) Aí seria o dia de todas as consciências. Todas seriam privilegiadas pela escola, por uma educação marcante, solidária e bela. Todas seriam contempladas pela filosofia, e pelo projeto pedagógico da escola, e pelo trabalho de nossos incansáveis professores.

O negro precisa abrir portas e caminhos pela força do conhecimento, que dá segurança, e proporciona autonomia, e força intelectual e profissional. Pelo poder do conhecimento, esse bem de valor incalculável e capaz de eliminar diferenças por causa da cor da pele.

E fazer valer seus dons (talento!) naturais. Sua inquestionável e natural vocação para o Esporte e para a Arte. E salve todos os negros, brancos, amarelos e vermelhos de boa vontade. Salve, Zumbi dos Palmares, Ganga Zumba,  Clementina de Jesus, Cartola, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Didi (craque de bola), Leônidas da Silva, Pelé, Elza Soares, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Jair Rodrigues, Djalma Santos, Waldemar Ferreira da Silva, Joaquim Barbosa, Arthur Bispo do Rosário, Noite Ilustrada, Emanuel Araújo, Machado de Assis, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Elizete Cardoso, Angela Maria, Gilberto Gil… Salve, a cultura Negra (e a branca também) brasileira. Salve! Sem nenhum preconceito, sem intolerância e sem violência de qualquer espécie. É assim que devemos ver e viver a vida. De outra forma, estaríamos todos num processo de involução, de regressão e de estagnação no tempo e no espaço. E salve todas as consciências, cons­truídas no dia a dia, a cada dia. Essas serão consciências de  paz, livres, libertas para construir um mundo mais decente.

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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