02 de outubro | 2017

Para revista na internet Beneficência guarda um tesouro artístico ameaçado

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A revista na internet, Notícias do Bem, dedicou recentemente extensa reportagem pa­ra falar do trabalho de pintura em afres­cos do artista impres­si­onista paulistano Durval Pereira, realizado nas paredes do prédio da Beneficência Portuguesa e que ficaram sem conservação em mais de uma década.

Segundo a Notícias do Bem, as paredes de um hospital de­sativado guardam um tesouro ameaçado pelo tempo e pelo abandono do poder público. O imóvel em questão é o da antiga Associação Beneficência Portuguesa de Olímpia e o tesouro que ele guarda não se mede pelo dinheiro, mas pelo seu valor artístico e cultural. São afres­cos do artista impressio­nista paulistano Durval Pereira.

Obras raras que até a família desconhecia o seu paradeiro e cuja história tem um toque de mistério: qual a ligação entre o autor e a cidade que motivou a criação desses painéis, há 65 anos?

Durval Pereira morreu no auge da carreira. Colecionou incontáveis prêmios aqui e principalmente fora do Brasil, onde desfrutava de grande reconhecimento. Sua morte, aos 63 anos, tem os contornos de um roteiro desses que apenas o destino é capaz de escrever com tanto esmero.

Neto do artista que mora na Alemanha, o publicitário Edu­ardo Pereira, 37 anos, se dedica a resgatar o legado deixado pelo avô, reunindo telas, fotografias, depoimentos e histórias que vem montando feito um quebra-cabeças. Isso porque ele tinha apenas 4 anos quando Durval Pereira morreu.

Segundo os levantamentos feitos por Eduardo junto aos familiares, a história do avô sempre caminhou de mãos dadas com as imagens. O cenário, a São Paulo dos anos 1930 e 1940. De origem humilde, fixou residência com a família no bairro da Mooca, de marcante influência européia por conta do fluxo imigratório daquele início do século 20.

Adolescente, trabalhou em um estúdio e utilizava a bicicleta para entregar molduras de retratos em domicílio pelas ruas do tradicional bairro da Capital.

Depois, aprendeu a retocar fotografias com José Picciochi. Gostou do ofício de aprimorar as fotos, de dar um acabamento artístico aos retratos. Fazia as vezes do Photoshop da época, “lapidando” imagens com lápis, ponta de pincel e tinta. Chegou até mesmo a trabalhar como retocador por conta própria.

TALENTO ARTÍSTICO

Mas foi em um ambiente aparentemente improvável que afloraria seu verdadeiro talento artístico. Durval foi trabalhar em uma fábrica de calçados como prancheiro. Era na histórica fábrica de calçados Clark (“O calçado que dura o dobro”), e sua vida nunca mais seria a mesma a partir dali.

Durval Pereira cumpria sua rotina de operário em uma das unidades da Clark na capital paulista. Certa vez, iniciaram uma reforma no vestiário dos funcionários. Ele não resistiu ao ver latas de tinta e pincéis à disposição e pintou um painel em uma das paredes. Ao tomar conhecimento da obra, o diretor mandou chamá-lo até a sua sala.

Durval pensou seriamente que seria demitido. “Na verdade, o chefe havia se encantado pela pintura e disse que investiria para que o meu avô se dedicasse exclusivamente ao seu talento”, conta Eduardo.

Em 1944, recebeu o Primeiro Prêmio de Menção Honrosa no Salão Paulista de Belas Artes. Em 1946, estudou artes plásticas na Associação Paulista de Belas Artes. Foi viver da pintura, para a qual se dedicaria até o dia daquela fatídica ligação telefônica.

Recebeu inúmeros prêmios e participou de muitas exposições coletivas, dentro e fora do Brasil. Em 1983, nos Estados Unidos, recebeu um troféu especial dos marchands como o maior impressionista dos tempos atuais. E é do início dos anos 80 a maioria das suas premiações internacionais, como a consagração do seu talento: na França, onde foi convidado pela direção do Museu dos Independentes de Paris a participar do livro Centenário do Salão, conquistou a grande medalha de ouro em uma coletiva na Associação Nacional de Paris e, no Salão Internacional de Ville, da Associação de Paris, ganhou o grande prêmio do público. Do Salão de Gênova, na Itália, obteve o grande prêmio Internacional e no Salão Cables Art Galery Miami, em Miami, Estados Unidos, faturou a medalha de ouro.

A França, sem dúvida, foi um dos lugares que mais reconheceram a qualidade do seu trabalho. Um ano antes de sua morte, em 1983, Durval Pereira representou o Brasil em Allinges, na Hivernale-Interna­tionale de Arte Contemporânea, e ainda conquistaria mais uma grande medalha de ouro da Associação Nacional de Paris.

Isto sem falar das inúmeras premiações conquistadas e coletivas de que participou ao longo de quatro décadas dedi­cadas à pintura, em salões de artes Brasil afora. Salão Paulis­ta de Belas Arte (várias vezes); 1º Salão Pan-Americano de Arte de Porto Alegre; Coletiva com Di Cavalcanti, Arlindo Mesquita e Inimá de Paula em Brasília, em 1968; Coletiva na Academia Valenciana de Letras (medalha de bronze) e Salão Nacional de Belas Artes, ambos no Rio de Janeiro, apenas para citar algumas. Isto sem mencionar os muitos salões dos quais participou no interior do País e as muitas exposições póstumas.

“Os mais renomados críticos internacionais consideram-no sempre com muito cuidado: afirmar algo a seu respeito pode ser, se feito de maneira taxativa, um erro. Durval põe muito mais de si, confere novos truques que transformam as velhas cores em novas cores e faz que os críticos sejam obrigados a emitir novas opiniões. Um paisagista único e um dos mais reconhecidos pintores brasileiros no exterior”, afirma o neto.

Ele conta que Durval Pereira tinha três paixões bem direci­onadas. Uma era dona Ida, a esposa. As outras duas paixões influenciavam diretamente no seu ofício de pintor impressio­nista. Dois lugares, mais precisamente: Ouro Preto, cuja paisagem íngreme e pedregosa o inspirava, e o cenário litorâneo.

“Ouro Preto foi uma constante em sua vida. Ele mesmo admitiu que cada vez que lá foi, encontrou novos motivos e novas alegrias. Mas nunca deixou de lado suas marinhas, inconfundíveis pelos tons mesclados, fruto de verdadeira pesquisa, do profundo conhecimento e do verdadeiro dom do artista. Assim era o nosso Durval, que pintava obras tão realistas que pareciam em 3D, tamanha sua perfeição”, afirma o neto, que pretende vir ao Brasil, até Olímpia, para conhecer os afrescos e quem sabe ajudar em sua recuperação.

OBRA ‘OCULTA’

EM UM

TRISTE LABIRINTO

Os caminhos que levam à sala onde estão os afrescos pintados por Durval Pereira, no antigo hospital da Sociedade Beneficência Portuguesa de Olímpia, são o próprio caminho da desolação. O que fora criado com fins beneméritos há 90 anos por prósperos cafeicultores portugueses radicados na cidade — “dar assistência de saúde a quem necessitasse” —, hoje não passa de um labirinto de corredores escuros que levam a salas vazias e empoei­radas. Um lugar onde os sinais do tempo e principalmente do descaso são implacáveis, presa fácil para depredações.

O cômodo que abriga as obras do artista impressionis­ta destaca-se de todos os demais. É um espaço amplo, de assoa­lho de madeiras espessas. O trabalho de Durval Pereira é notável em suas cores e mínimos detalhes. A cruz de malta que pintou no teto seria uma espécie de “selo” de identidade, a não restar dúvidas da origem de seu autor. E os afrescos, oito telas ao todo, são todas da mais pura inspiração portuguesa.

Os painéis, que chegam a medir até 3,5 metros de largura por 3 de altura, levam a assinatura do artista e a mesma data (1/1/1952). E todos eles têm a mesma inspiração da terra de Camões e de Pessoa. E, acima de cada um, uma frase de um autor português. Para a pintura que representa a colheita da uva (um dos mais castigados pela infiltração), um verso do cancioneiro popular: “Os teus olhos são castanhas, o meu peito cangirão; Eu quisera ser o vinho, para encher-te o coração”.

A falta de conservação do prédio custou caro às obras, atingidas pela umidade das infiltrações. Algumas estão mais intactas, como o do carro-de-boi e o das caravelas. Outras estão mais danificadas e uma das frases está parcialmente oculta pelas manchas de bolor. Recu­perá-las não é uma tarefa fácil, uma vez que afrescos são uma técnica de pintura mural, executada sobre uma base de gesso ou cal ainda úmida – por isso o nome derivado da expressão italiana “fresco”, de mesmo significado em língua portuguesa – na qual o artista deve aplicar pigmentos puros diluídos somente em água.

Tristes constatações em um cenário a “respirar” o talento de Durval Pereira, que se preocupou em harmonizar a sua obra com todo o ambiente. Emoldurou os afrescos na cor marrom e fez o mesmo com os batentes das janelas e portas, cujas folhas duplas foram pintadas no mesmo tom. Tudo para combinar com o marrom

Tudo para combinar com o marrom da madeira maciça da qual são feitas a mesa de reuniões e as nove cadeiras personalizadas com a insígnia da Sociedade Beneficência Portuguesa de Olímpia. Nove eram os assentos dos membros do alto conselho que decidiam os rumos do hospital e da associação.

A reportagem apurou que os afrescos de Durval Pereira estão avaliados em R$ 1 milhão. Apurou também que um laudo de vistoria do Poder Judiciário aponta que as obras precisam ser recuperadas e mantidas, mas por profissionais especi­alizados. Há um valor estimado em R$ 350 mil para a realização desse serviço.

IMPASSE SEM FIM

E O REI DO CAFÉ

Em pouco mais de 20 anos, tempo em que o prédio ficou sob a responsabilidade da Prefeitura de Olímpia, tudo o que representava vida e que fora criado com tal finalidade, foi reduzido a entulho. E o hospital, que ocupa uma área de cerca de 6 mil metros quadrados, tornou-se não mais que um grande depósito de materiais inservíveis. Este ano, mais de R$ 200 mil em medicamentos, parte deles ainda dentro do prazo de validade, e centenas de prontuários médicos foram encontrados jogados em seus porões.

 
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