29 de junho | 2008

Inversão de valores leva à pratica de crimes na busca por bens materiais

Compartilhe:

 

 A inversão de valores tendo sempre por base a busca por bens materiais que demonstrem poder financeiro, pode levar uma pessoa a fazer opção pela prática de crimes. Pelo menos isto é o que se depreende da avaliação feita à reportagem desta Folha, pela psicóloga Sônia Maria Ferreira Queiroz (foto), que diz estar habituada a enfrentar situações idênticas. "Hoje o bom é ser ruim", observa.

Queiroz conta que é comum, ao perguntar a um adolescente o que pretende ser quando crescer, ouvir a resposta: "ser traficante, porque o traficante é aquele que tem um carrão, é aquele que tem uma mansão, é aquele que tem muitas coisas".

Porém, há outra classe de pessoas que também leva muitas pessoas a adotar o crime como forma de obter a ostentação através da posse de bens materiais. Neste caso, embora considere honestidade da maioria, aponta as irregularidades praticadas pela classe política. "Tem corrupção de maneira geral e as pessoas se corrompem muito facilmente", justifica.

Entretanto, não considera que o aumento da criminalidade seja uma característica apenas da cidade de Olímpia, mas da sociedade como um todo. Queiroz argumenta que o número de roubos tem aumentado no país inteiro.

Ela acredita que pessoas que estão desempregadas ou mesmo vivendo de um subemprego e, em muitos casos, são pessoas mais jovens as que roubam.

"Penso que os meninos hoje ficam sem empregos, mesmo tendo mais condições de trabalharem. Antigamente, com 16 anos já estavam trabalhando e atualmente não. Eles têm necessidades que não são supridas porque os pais não têm condições de suprir, então vão para o roubo", justifica.

De certa maneira, uma situação que coloca é a sócio-econômica como principal fator: "Essa desigualdade que existe e em Olímpia a gente tem muito disso também". Se por um lado tem a classe social dominante com os filhos que têm os pais com boa profissão, há, por outro, os que vivem do subemprego: "e esses jovens não têm empregos e acabam tendo divergências com as que têm".

Embora não seja regra geral, a desigualdade social gera conflito entre os que têm melhor condição financeira e os que não têm. Mas tudo parte da falta que faz a educação, considerada a base de tudo.

A transformação vivida pelas escolas por causa de reformas das políticas educacionais, estaria deixando "os jovens meio perdidos". A psicóloga reforça que grande parte interrompe os estudos antes e que "são poucos os que vão a uma universidade e acredito que, se a educação é a base de tudo e se não tiver educação não tem condições de nada".

Dessa maneira, ressalta que a falta de empregos não é a principal motivação para o crime. "Não é porque a pessoa está desempregada que vá roubar, ela pode fazer serviços pequenos. Em São Paulo vemos muitos rapazes que trabalham de empregados domésticos. O desemprego não é motivo para a pessoa roubar", avalia.

Já o caso do sistema prisional ou mesmo a Fundação Casa, antiga Febem, ser considerados fábricas de ‘bandidos’, destaca que estão tentando modificar a situação, embora considere difícil modificar essa mentalidade: "esse sistema prisional está muito arcaico".

Acrescenta: "teríamos que ter medida sócio-educativa para que as pessoas que fossem aprisionadas tivessem uma forma de aprender uma função". Importante para Sônia, é que aprendessem algum tipo de trabalho como plantar, cultivar ou mesmo fazer trabalhos manuais ou ainda de marcenaria.

"Ensinar um oficio para que saísse do sistema prisional com um ponto de partida. Quando sai de lá, sai sem ter o que fazer. Já ficou afastado da sociedade e se você fica um tempo sem trabalhar, quando você volta para o trabalho fica meio que sem saber o que fazer porque muitas coisas mudaram. E quando você está preso, piorou", comenta.

Embora considere que a sociedade como um todo venha fazendo sua parte, entende que falta o governo, que teria responsabilidade de dar educação e emprego, criar condições para que o indivíduo tenha oportunidades.

Queiroz aponta também a inversão de valores familiares. Para ela, se antes os pais eram autoritários e criavam os filhos para o trabalho – muitas vezes cinco ou seis que ajudassem na manutenção da casa – atualmente, se preocupam em terem menos filhos para garantir a educação dos mesmos.

"Só que esbarramos na dificuldade de formação. A própria escola não tem formado as crianças, porque são deficitárias", comenta apontando para melhorias que vem sendo implantadas nos últimos anos: "esse governo que estamos vivendo agora, independente de partido político, tem dado mais opções para as pessoas carentes", afirma fazendo menção ao Pró-Uni.

"Mesmo assim temos muitos problemas, porque os adolescentes estão perdidos com essa inversão de valores, porque que o legal é ser ruim, o bom é ser bandido", compara.

Um exemplo que cita é, muitas vezes, a discriminação que uma criança sofre por ser "bonzinho" (sic) na escola: "ele é o chato, é o bobão, é o panaca (sic) e aquele que faz arte, que chama a atenção, é o que tem as menininhas (sic) para o lado dele e outros amigos vão também para o lado dele. Isso tem uma inversão de valores e acredito que faz com que o adolescente cresça achando que o legal é ser bandido".

Compartilhe:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do iFolha; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Você deve se logar no site para enviar um comentário. Clique aqui e faça o login!

Ainda não tem nenhum comentário para esse post. Seja o primeiro a comentar!

Mais lidas