08 de junho | 2024
HOMENAGEM PÓSTUMA A DIRCEU RENATO SACCHETIN
Já são conhecidos e reconhecidos por todos, os nobres feitos do homem Dr. Dirceu Renato Sacchetin, como cidadão respeitado na sociedade dessa estância, membro de família tradicional centenária de imigrantes italianos, advogado respeitado pela ética, próspero fazendeiro no agronegócio, membro ativo e mantenedor de entidade religiosa e filantrópica. Enfim, um pai de uma família honrada e bem constituída.
Não é a estatura moral, social, profissional, cívica e religiosa ou outra deste homem, desde há muito conhecidas, que quero louvar nestes dias de luto. Pois, estas e outras maiores virtudes já são ou serão conhecidas. O que pretendo homenagear é o Dirceu, menino e adolescente – meu primo querido, motivado por um profundo senso de gratidão por sua benfazeja influência que marcou minha vida nos tempos de nossa meninice.
Por uma casualidade que não se consegue explicar, senão pelas muitas bondades de Deus, fui acolhido por seus pais Ondina e Octavio Sacchetin, num gesto de amor, para viver no aconchego de sua família, dos meus dez aos dezoito anos e meio de idade, a fim de ingressar no curso preparatório de Admissão ao Ginásio. O distrito de Ribeiro dos Santos, onde meus pais residiam, não oferecia possibilidade alguma, além do 4º. ano do grupo. E o trem-de-ferro que, vinha de Nova Granada, passava na estação em horário que não casava com o da entrada no ginásio; tudo isso sem levar em conta que o Diretor Altino Robazzi era rigoroso na pontualidade da formação da fila no pátio na hora da entrada para as salas de aula.
Daí em frente, como filho adotivo dessa família caridosa, passamos o tempo de nossa adolescência e início da juventude juntos nas mesmas atividades diárias.
Éramos companheiros o tempo todo.
Dirceu tinha um coração sensível, voltado para servir e fazer o bem em tudo que lhe tocasse. O pensamento, as palavras e as atitudes já denotavam seu bom caráter, e assim fomos crescendo, numa amável companhia e sob a aura dessa boa influencia.
Naquele tempo em que os filhos não tinham o costume de falar com os pais com a liberdade de hoje, Dirceu aprendia pela observação e o que aprendia passava para mim. Quando seu pai o chamava para ir ao sítio, me levava junto e dividíamos o banco de passageiro do jeep Land Rover. Ele ia vendo o que o pai fazia e ia me ensinando. “Olha”, assim ele dizia: “o pai colocou a chave na direção, apertou com o pé esquerdo a embreagem, colocou o câmbio na posição neutra, deu a partida, engatou a marcha ré para sair da garagem e freou no portão”. E assim ele aprendeu a dirigir e me ensinou também.
Do mesmo modo quando me ensinou dirigir a Vespa, sua motocicleta BMW, o tratorzinho Ford e depois o trator Fordson Major, o Jeep Toyota Bandeirante, depois a perua Kombi e por fim o caminhão Mercedes azul nas tantas vezes que íamos de trator ou com o caminhão carregado de tijolos pela estrada de terra que saia da Rua Síria em direção ao Córrego do Tamanduá. Somente não me ensinou a dirigir o automóvel Simca Chambord, modelo Tufão, por ser de uso exclusivo de seus pais.
Todas as manhãs saíamos juntos de sua casa, na Rua Síria, nº 457 e, em frente à Farmácia Itálica, dobrávamos à esquerda e descíamos a Rua Jorge Tibiriçá; passávamos em frente à oficina de bicicletas Yamanaka, depois em frente à loja de baterias Heliar Benatti, do lado oposto à Casa Manzolli e chegávamos à Farmácia Mazzotti, onde aparecia na janela a Sra. Benedita para avisar que o Waltinho já estava saindo pelo portão. Assim, caminhando pela Rua Conselheiro Antonio Prado, íamos juntos para o Grupo Escolar Anita Costa acompanhados de um ou outro colega que a nós se juntava no caminho. Quando chegávamos cedo ainda repartia comigo um pedaço de quebra-queixo do carrinho do “seu” Guerra.
Quando aparecia uma casca de banana na calçada ou algo que punha perigo, o menino Dirceu se abaixava, pegava e colocava embaixo na sarjeta para não causar acidentes. Dirceu cuidava de dar o exemplo em fazer o bem até nas coisas mais pequenas.
Era comum na saída das aulas a meninada aprontar alguma peraltice com os colegas. Certa vez escrevi com giz branco o número 24 na maleta e, naquela algazarra na saída do portão, carimbei a parte traseira do uniforme azul marinho de um menino. No dia seguinte, ele muito bravo, anunciou a todos na hora do recreio que iria me pegar para briga na saída, no canteiro central da avenida XV de Novembro.
O menino tinha o apelido de “Tonelada” e, por eu estar muito em desvantagem física com ele, logo comecei apanhar. Aí aparece o menino Dirceu, que não apenas aparta a briga, mas põe o “Tonelada” prá correr. Além de amigo Dirceu era o meu protetor.
Quando a Tia Ondina chamava para as refeições, Dirceu e eu estávamos juntos na mesa redonda, ao lado dos pais e dos demais irmãos. Estávamos juntos também durante o dia na mesma sala de estudos para fazer os deveres de casa. Nas redações que ele escrevia, cumprindo as tarefas de português dadas pelo Dr. Jaime, Dirceu não deixava esconder seu forte sentimento religioso e aproveitava algum motivo relacionado ao tema da redação para citar o nome de Jesus Cristo como servo justo, sofredor e exemplo de conduta de vida. Naquela mesa, que à noite se transformava em quadra de ping-pong, ali brincávamos também tendo a presença mais assídua de sua irmã Ida Lúcia e mais rara do Waldemar e do Dorival. A Neide já estava casada com o Flavio e visitava com frequência a casa dos pais.
Estávamos juntos os exercícios de barra e nas batidas de bola de basquete na cesta instalada no amplo quintal de piso atijolado no fundo da casa. Na hora de dormir nossas camas eram no mesmo quarto que abrigava também a cama do Paulo, irmão mais velho.
Estávamos nos mesmos passeios frequentes aos domingos no Rio Cachoeirinha onde ele naquelas tardes ensolaradas, me ensinou a nadar e a mergulhar nas águas mais profundas do braço do rio onde a correnteza era mais forte.
Aos domingos à noite, quando voltávamos da praça ele, ouvindo meus repetidos queixumes, quantas vezes parava na calçada e me dizia: – “Olha para o céu e veja as milhares de estrelas brilhando…”. Fazia isto para ajudar a me dissuadir de um amor infantil não correspondido.
Foram anos felizes, de uma convivência profícua, prazeirosa, bonançosa…é inesquecível a sua companhia. Nunca ergueu a voz para me repreender e nunca nos desentendemos.
Teria muito, muito mais de bom a contar do Dirceu bom menino e das coisas boas que me ofereceu e me ensinou, não fosse o rigor da solenidade que o momento de luto exige. Este primo que passou a me chamar nos últimos anos de “primo-irmão” veio suprir plenamente o companheirismo do irmão de sangue que tive que, pela diferença de idade, não o foi à altura do que o primo Dirceu foi para mim.
Em 14/12/1964 nossas vidas se distanciaram por ter seguido rumo à capital já em outra fase da vida; apesar dos contatos se tornarem mais raros, sempre que nos encontrávamos e a fraterna amizade era celebrada com alegria e, meu sentimento era de que ali estava alguém com quem poderia sempre contar em quaisquer circunstâncias. Até mais recentemente, já debilitado, ainda me dava conselhos de práticas do dia a dia que tinha conhecimento. Há duas semanas atrás ainda me ensinou a limpar os bicos injetores para tirar a fumaça branca do escapamento do trator e recomendou um massagista de Cajobi para tirar a dor do quadril.
Por isso e muito mais fica a minha eterna gratidão pelo Dirceu, quando menino e adolescente, pela convivência saudável, amigável, bondosa, amorosa e fraterna que tivemos nos tempos ditosos da infância. Dele somente recebi o bem sem ao menos ter conseguido retribuir à altura. A singela coroa de flores que depus em sua despedida, apesar dos sentimentos profundos nela inscritos, ainda é incomparavelmente muitíssimo pouco face à tamanha gratidão merecida a ele devida pelo tudo que me proporcionou
Quando consultava o aplicativo, para ver se da parte dele vinha alguma mensagem, aparecia abaixo de sua foto, de simpatia contagiante, o lema: “Vigiai e Orai”. Assim, que o Todo Poderoso tenha ouvido as nossas e as suas orações, use de graça e misericórdia abundantes e o conserve em perfeita paz, meu estimado e inesquecível “primo-irmão do coração”.
Autor: Gerson Rodrigues de Castro, Engenheiro e Professor da Universidade de São Paulo.
Revisão: João Carlos Nazareth, que fez o Curso de Contabilidade com o homenageado no período de 1968 a 1970.
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